Dunas e praias desertas: conheça a região onde deságua o São Francisco
O Rio São Francisco percorre cerca de 3 mil quilômetros desde a sua nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até desaguar no Atlântico, bem onde o estado de Sergipe encontra o de Alagoas. No trecho final desse longo trajeto, o Velho Chico tem um quê especial, tanto por sua beleza como pela história. É a região do chamado Baixo São Francisco, que compreende a foz do rio, onde uma praia imensa e deserta, cercada por altas dunas, marca a chegada do emblemático rio ao mar, num encontro de gigantes.
A vizinhança inclui também a cidade alagoana de Penedo, considerada a “Ouro Preto do Nordeste”, graças às igrejas barrocas e aos casarões coloniais, além dos cânions inundados pelo lago da hidrelétrica de Xingó, em Delmiro Gouveia, no extremo oeste de Alagoas, que vem despontando como destino de ecoturismo e esportes de aventura no interior do Nordeste.
A viagem por esses rincões começa pela foz do São Francisco. Para chegar até lá, roda-se 170 km desde Maceió, capital alagoana, até Piaçabuçu, também em Alagoas. É daí que partem os barcos até o delta do rio. Saindo da vizinha Praia do Pontal do Peba, dá para ir de bugue, pela areia.
Quem encara o percurso geralmente são turistas que saem de Maceió para passar o dia e logo ir embora, num bate e volta cansativo demais. Sem contar que não permite curtir o astral rústico e a paz desse lugar quase intocado no extremo sul do litoral alagoano. Por enquanto, a estrutura turística é tímida na região. Só existe uma única boa pousada por ali, a Chez Julie.
Piaçabuçu fica às margens do rio, a 13 km da foz. A cidade é pequena – são sete mil habitantes – e pacata, exibindo muitas canoas de pesca ancoradas. Em 2002, o lugar agitou-se com a gravação de boa parte das cenas do filme Deus é Brasileiro, com Antônio Fagundes e Wagner Moura. Muitos moradores participaram das filmagens e o povo ficou em êxtase com a presença dos artistas.
Com exceção de comer uma moqueca de peixe com pirão no restaurante Santiago e provar a cachaça de cambuí, bebida típica local, não há muito o que fazer nessa modesta cidade, onde as mulheres ainda lavam roupa na beira do rio e a molecada brinca de dar saltos mortais do trapiche de madeira dos barcos de pesca. Assim, o negócio é embarcar logo nas lanchas e traineiras que levam ao exato ponto onde o São Francisco encontra o mar. É um passeio e tanto.
O Velho Chico, em seus últimos quilômetros de jornada, abre-se feito um leque, formando um delta, com ilhas e manguezais por onde circulam curiosas canoas com velas quadradas, chamadas de canoas de tolda, que só existem naquele pedaço. O surpreendente cenário se completa com um espetacular conjunto de dunas, que, a partir da foz, se estende por 22 km, acompanhando uma praia deserta de larga faixa de areia . É uma das maiores praias desertas do Nordeste.
Na época das chuvas, entre maio e agosto, formam-se lagoas de água cristalina entre as dunas, dando a esse trecho alagoano um ar de mini-Lençóis Maranhenses. É a melhor época para fazer esquibunda nas dunas, que propiciam descidas bem radicais, já que desliza-se de até 40 metros de altura.
O sertão vira mar
Há cerca de 60 anos, esses vastos morros de areia engoliram Pontal da Barra, vila que ficava pertinho do lado alagoano da foz. Muitos moradores mais velhos de Piaçabuçu viveram no extinto lugarejo e, apesar das dificuldades, lembram-se com saudade daquele tempo. É o caso de dona Maria Muniz, que vende deliciosos sequilhos, que desmancham na boca. Ela viveu até os 17 anos em Pontal da Barra, e, em 1951, mudou-se para Piaçabuçu.
“Pontal era um povoado grandinho, tinha igreja e até telefone. Mas as casas eram de palha e, quando ventava, a gente ouvia o vaivém da areia no telhado”, lembra a simpática senhora, cujos olhos se enchem de lágrimas ao falar da infância na foz do Velho Chico. “As dunas eram a coisa mais linda do mundo. Dormia com minhas irmãs no meio delas só para ficar olhando o céu estrelado. Dá uma saudade tão grande”, diz ela.
A foz, porém, já não tem a mesma opulência dos tempos em que dona Maria passava as noites ao luar: no embate com o mar, o rio está perdendo a disputa. O “rio da integração nacional” minguou muito nos últimos 20 anos devido a um processo avançado de assoreamento e à criação de hidrelétricas, como a do Xingó, inaugurada em 1994. Com isso, as águas do São Francisco não têm mais a força de outrora. A antiga desembocadura, que chegou a ter dezenas de metros de profundidade, permitindo a passagem de cargueiros que levavam mercadorias do interior para pontos do litoral do Nordeste, tem atualmente profundidade média de quatro metros.
Se há um século o rio tinha força para avançar sobre o oceano, hoje a situação se inverteu. “Em dias de maré grande (lua cheia), o mar invade tanto o leito do rio que já se pesca xaréu (peixe de água salgada) no entorno de Traipu, a cerca de 140 km da foz”, diz o pescador João Fernandes. Estudiosos chamam o fenômeno de salinização do rio, que parece dar vazão àquele velho questionamento popular: o sertão vai virar mar ou é o mar que vai virar sertão?
A redução da vazante é um dos motivos pelos quais os ecologistas se opõem à transposição das águas do Velho Chico, um megaprojeto que prevê a criação de canais para levar a água doce para o sertão do Ceará, Paraíba e Alagoas. “A transposição é como tirar sangue de um doente que já está na UTI”, defende Robério Góes, proprietário da agência de turismo Farol da Foz, de Piaçabuçu.
A agência oferece o esquibunda nas dunas que emolduram a foz do São Francisco, além do passeio que é o mais legal de Alagoas: o parasail. Na atividade, o aventureiro fica suspenso ao ser acoplado a um paraquedas, o qual é preso por uma corda e arrastado por um bugue na praia. É um grande barato. Bem devagar, a cem metros de altura, o turista flutua no ar feito um pássaro – e fica com as mãos livres para fotografar, do alto, as dunas e o encontro do São Francisco com o mar. Não precisa fazer nada, basta curtir o voo e admirar a vista.
Esse trecho foi retirado da revista Viaje Mais, seção Brasil, edição 144.