Brasileiros farão viagem inédita na Antártica
Serão 60 dias, em meio a paredões de até 50 metros de altura [...]
Circum-navegações na Antártica não são novidades, desde que o inglês James Cook cruzou o Círculo Polar Antártico e, pela primeira vez, circunavegou o Continente Branco, no século XVIII.
Mas é com liderança brasileira que a ciência polar vai dar um passo mais largo, literalmente, quando a Expedição Internacional de Circum-Navegação Costeira Antártica chegará o mais próximo possível da costa antártica.
"O aspecto inédito está na palavra 'costeira'. O maior desafio é ultrapassar o círculo de mar congelado, que chega a ter uma espessura média de dois quilômetros de extensão. Por isso, 45% da Antártica não tem costa", diz o glaciólogo e professor de geociências, Jefferson Cardia Simões, em entrevista para o Viagem em Pauta.
Assim como o também coordenador da expedição explica para a reportagem, apenas 0,5% da Antártica permite desembarque, devido às geleiras que avançam até a costa, formando assim uma espécie de cordão congelado que abraça o continente e impede a aproximação.
Por isso, para chegar o mais perto possível da frente de geleiras monumentais de até 50 metros de altura, a equipe deve percorrer mais de 20 mil km da costa desse continente 1,6 vezes o tamanho do Brasil.
Entre tantos trabalhos durante a expedição, que irão de estudos de microrganismos aos de aves, os cientistas irão pesquisar a instabilidade do gelo da Antártica e a rápida mudança na superfície do oceano austral, aumento da acidez e diminuição da salinidade.
"A comunidade científica está preocupada em entender esses processos dinâmicos e qual o potencial disso contribuir para o aumento do nível do mar. Em 200 anos, a instabilidade em frente às geleiras poderia aumentar o nível dos oceanos em até sete metros", alerta.
Aliás, a expedição sairá de Rio Grande, uma das cidades do litoral gaúcho afetada pelas enchentes do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre deste ano, um fenômeno que tem explicação na… Antártica.
"Ainda existe o mito de que só a Amazônia é importante para o sul do Brasil, mas a Antártica é tão importante quanto. Recentemente, tivemos um centro do país super aquecido que bloqueou a massa de ar polar no Rio Grande do Sul, gerando uma umidade que ficou em cima das nossas cabeças", explica Simões.
Réveillon gelado na Antártica
Primeiro brasileiro a ser treinado para explorações científicas em regiões polares, Simões irá para a Antártica pela 28ª vez que.
Como o verão é a época em que a maior parte da comunidade científica costuma permanecer no continente, devido às melhores condições climáticas, Simões já está acostumado a brindar o Ano Novo sob baixas temperaturas, em locais com sensação térmica na casa dos - 50°C.
Para ele, porém, a maior dificuldade é a responsabilidade de liderar e planejar, durante dois anos, uma expedição que envolveu negociações internacionais em diferentes idiomas.
"É preciso entender as limitações físicas e gerenciar o psicológico. Existe um mito da aventura polar sem planejamento", avisa Simões, que é PhD pelo Instituto de Pesquisas Polares Scott, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, primeiro glaciólogo do Brasil e também o primeiro brasileiro a atravessar a Antártica, por vias terrestres, em uma expedição científica rumo ao Polo Sul Geográfico.
Para esse pesquisador, que já esteve com familiares de ícones das explorações polares, como Robert Scott e Ernest Shackleton, sua maior referência no assunto é o cientista norueguês Fridtjof Nansen, responsável pela primeira travessia da Groenlândia, em 1890, e pioneiro em ações a favor dos refugiados, o que lhe rendeu o Nobel da Paz, em 1922.
"Nansen foi um humanista, ele era um sujeito completo", descreve Simões que, até o final de janeiro do ano que vem, irá liderar 140 pessoas, incluindo 61 cientistas de sete países (Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia) e de diferentes campos do conhecimento, entre eles, oceanógrafos, biólogos, geólogos, geógrafos, físicos e glaciólogos.
Já os 27 brasileiros embarcados estão vinculados a instituições associadas ao INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) e a projetos vigentes de pesquisa do Proantar/CNPq (Programa Antártico Brasileiro).
Além de pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), onde fica o CPC (Centro Polar e Climático), a equipe multidisciplinar é formada também por cientistas, como, de universidades como a USP (Universidade de São Paulo), UnB (Universidade de Brasília), e as federais de Pernambuco (UFPE), Maranhão (UFMA), Minas Gerais (UFMG), Rio de Janeiro (UFF), Paraná (UFPR) e Viçosa (UFV).