Vínculo fantasma: saiba o que é o novo comportamento dentro de relacionamentos
A psicóloga clínica explicou que a epidemia da imaturidade está atingindo todas as idades; veja o que é e quais os indícios para saber se está nesta situação
Cada vez mais, ouvimos as pessoas falarem que ninguém quer compromisso e relacionamento sério, e, segundo a psicóloga clínica, Tatiana Paranaguá, a falta de maturidade emocional está virando uma epidemia de imaturidade. Com isso, ela criou o termo 'vínculo fantasma'. Nesta matéria, te explicamos o que é, quais cuidados tomar e como saber se você está com um fantasma. Confira a entrevista dada ao 'O Globo':
O que é o vínculo fantasma?
O termo pode te fazer lembrar do ghosting, mas ele é muito diferente. No caso do vínculo fantasma, aquela convivência a dois leva a crer que tudo está encaminhando para algo sério, como um relacionamento duradouro. Muitas vezes, ambos já conhecem as respectivas famílias e amigos, se encontram com bastante frequência e já até conversam sobre planos futuros. Porém, do nada, uma das partes some.
"Em um vínculo fantasma, uma das partes, que chamamos de fantasma, está ali, como se estivesse "brincando", tendo uma experiência em um parque temático, sem, de fato, vislumbrar uma profundidade. A partir do momento em que aquilo chega perto de um compromisso, ela some", detalhou.
Reflexo da sociedade
A especialista afirmou que antes os relacionamentos não era necessariamente profundos, mas rígidos, sendo assim, com o tempo, eles ficaram superficiais. "Há um estímulo muito grande a um individualismo, que deveria ser algo voltado ao autoconhecimento, mas, na realidade, tranca a pessoa nela mesma. Não é um fenômeno novo. Todo mundo tem direito à imaturidade em si em algum momento da vida, mas tem fases em que acaba se negando ao crescimento. Esse é o problema. Elas veem o crescer como uma coisa ruim, enquanto já deveriam ter estabelecido padrões mais maduros de relacionamentos,", especificou.
Este não é um fenômeno novo, mas Paranaguá reparou que em seu consultório e no de colegas, ele passou a surgir de forma mais intensa. "Uma coisa é ter um episódio aqui, outro ali. O que vi é que, de repente, virou uma espécie de padrão que invade a maneira de se relacionar afetivamente, é uma epidemia de imaturidade. E quando isso acontece, precisamos parar e analisá-lo. Porque de tanto uma coisa se repetir começa a parecer que ela é normal, saudável, mas não é", explicou.
Influência do consumo
Outro ponto importante que reflete na atitude é o consumo e a necessidade de ter. "Acaba levando à uma visão de consumir o ser humano como um todo, um olhar muito materialista da vida. Em que só o que faz sentido é o prazer imediato. Buscam o afeto humano para suprir essa necessidade de um vínculo. E os aplicativos também influenciam, porque deveriam servir para expandir uma relação de contato humano real, só que fizeram o contrário. Lidam com os outros como se fossem dígitos, telas. Se eu posso apertar um botão e deixar de falar com alguém no aplicativo, eu também posso na vida real", analisou.
Os impactos
A outra parte, que é afetada por este comportamento, fica perdida, como aponta a psicóloga. "Ela fica desnorteada quando alguma coisa simplesmente fica sem resposta. Ela não tem paz. Era algo que vinha numa crescente tão nítida e que, de repente, virou um nada. Essa necessidade muito grande de compreender o que aconteceu faz ela tentar interpretar os códigos dela mesma, e vem a tendência à culpa", elucidou.
É então que a parte, que ficou sem saber o que fazer, começa a se culpar. "Ela pensa que 'se isso aconteceu, é porque eu fiz alguma coisa que não estou entendendo', porque a única coisa que vai ter para analisar é ela e os sentimentos dela. E porque imagina que o outro funciona do mesmo jeito. Isso gera baixa autoestima, insegurança e até mesmo depressão", ressaltou.
E continuou: "A pessoa pensa 'se eu não fiz nada de errado, é porque não sou suficiente'. Isso vai roendo as bases nas quais pisa para viver, como se tirasse o chão dela, porque nós caminhamos em cima desses códigos, nessa crença de que o outro vai nos enxergar como ser humano. Por isso, é importante nomearmos como vínculo fantasma. Assim, pode entender o fenômeno, respirar e compreender o que está acontecendo".
Efeito reverso
Muitas vezes, a atitude pode funcionar como um espelho. "A outra também começa a agir como um fantasma, pois fica tão machucada que começa a fazer o mesmo com os outros. Aí gera-se uma epidemia de falta de crença nos vínculos verdadeiros na humanidade. A ilusão de que não precisamos de ninguém, que conseguimos ser muito felizes só. Mas isso não é verdade", completou.
Quais os sinais?
Para quem está em um relacionamento e quer se precaver, o fantasma deixa alguns indícios antes de desaparecer de vez. "Para quem passa pela primeira vez, é complicado perceber, porque uma das questões é que o "vínculo fantasma" parece um verdadeiro até a hora que ele desaparece. Mas escutar com bons ouvidos o que aquela pessoa tem a dizer sobre os relacionamentos anteriores, a maneira como ela fala do outro, como ela conta o motivo do término. E ainda que a visão do outro seja a do outro, procurar saber se alguém a conhece, se tem algum padrão que é percebido pelos demais. Mas o principal sinal é que, quando a relação começa a aprofundar, a pessoa passa a se retrair cada vez mais", finalizou.