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Wachau guarda os melhores vinhos da Áustria

Ricardo Coração de Leão gostava de beber seu Grüner Veltliner admirando a paisagem

14 set 2024 - 06h21
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Resumo
Cancelamento maratona no Wachau devido ao risco de enchentes e temperatura baixa. Wachau, região vinícola pouco conhecida, é uma hora de Viena.
Foto: Arquivo Pessoal

Salve, salve!!! Salve-se quem puder.

Escolhi este tema por causa da maratona no Wachau que eu iria correr no domingo, 15 de setembro. 

Iria, pois acabei de receber um e-mail da organização informando sobre o cancelamento da corrida devido ao risco de enchentes no rio Danúbio, possíveis problemas com os barcos e ferris e sobrecarga nas equipes de socorro e bombeiros auxiliando a prova. E a temperatura vai cair para menos de 10°C.

O tilintar das taças de vinho branco, uma tábua de queijos, folhas caindo, a correnteza suave e traiçoeira do Danúbio, e milênios de história no ar. Isso é o Wachau na Áustria, região vinícola pouco conhecida do mundo que fica a uma hora de carro de Viena. 

A playlist “Wachau” só tem artistas austríacos e não conheço nenhum. Quem são S.T.S., Wolfgang Ambros, Drupi, Josh e Hupert von Goisern? Aperte o play pra descobrir.

Wachau é a Borgonha austríaca

Aposto uma garrafa de Grüner Veltliner que você nunca ouviu falar do Wachau e muito menos nem desta uva típica austríaca. Leia-se “Varráu”, pois no alemão o W tem som de V e o CH é lido como um R que arranha a garganta ao ser pronunciado.

Estamos na Borgonha austríaca ou na Renânia e Palatinado dos rieslings alemães, mas são as terras de Sissi e Mozart. Uma Alsácia quase vienense, a uma hora de carro do centro da capital. 

O Wachau começa ou termina em Krems indo até Emmersdorf onde a magnífica abadia de Melk, encarapitada num peremptório, domina a paisagem guardando, protegendo e embelezando a entrada deste famoso vale do Danúbio. 

Pegue um barco em Melk e vá descendo o famoso rio que não é azul passando por Spitz, Weißkirchen e Dürnstein até chegar nas irmas Oberloiben e Unterloiben (ober = up e unter = down), sede do famoso FX Pichler cujas ampolas passam fácil dos 80 euros. Chegando em Krems tome o trem de volta para a capital com a sensação de ter visto um dos vales mais charmosos do mundo.

Kremstal e Kamptal são regiões vinícolas vizinhas e contínuas. Tal é vale em alemão, ou seja, Kremstal é o vale do rio Krems na Baixa Áustria, um dos afluentes do Danúbio. E o Kamp é outro rio que forma o vale Kamptal por onde ele corre. Se você gosta de vinhos brancos, a região é um prato, ou taça, cheio. 

Ricardo Coração de Leão

Dünrstein é a cidadezinha mais charmosa do longo vale do Wachau com sua dominante igreja azul, ruelas medievais e trilhas pras ruínas da fortaleza onde Ricardo Coração de Leão ficou preso. São 20 minutos de subida e 15 de descida que valem o esforço para desfrutar a vista estonteante. Dizem que só descobriram onde Richard Lowenhart estava preso depois que alguns passantes ouviram seus cânticos em dialeto local e alertaram os conterrâneos. 

Ricardo I da Inglaterra era conhecido como Coração de Leão graças à sua grande atuação como guerreiro e líder militar. Reinou por quase 10 anos, entre 1189 e 1199, morreu em combate após tomar uma flechada no ombro, pois não era muito chegado em usar armaduras. 

Foi o líder da Terceira Cruzada rumo à Terra Santa, hoje Israel e Palestina, saqueando tudo pelo caminho. Na volta, naufragou na costa da Croácia e resolveu voltar a pé até a Saxônia passando pela Áustria, terra de seu arquiinimigo Leopoldo V. 

Mesmo viajando disfarçado e com poucos cavaleiros escudeiros, foi descoberto numa hospedaria em Erdberg, preso e atirado na fortaleza de Dürnstein. Ficou enjaulado por catorze meses entre Dez/1192 e Fev/1194 quando foi vendido ao imperador do Sacro Império Romano, Henrique VI, que o libertou após pagamento de um resgate em dinheiro. 

Com certeza Ricardinho foi celebrar a liberdade numa taverna local bebendo todos os Grüners e Rieslings que viu pela frente. 

O valor do resgate foi tão alto, equivalente ao dobro da renda anual da coroa inglesa, que levou o país à bancarrota provocando a criação de vários impostos nos anos vindouros. Ricardo se arrependeu publicamente de seus pecados, pediu perdão e foi coroado mais uma vez. Filho ingrato, ainda em 1194 abandonou a ilha da Rainha para nunca mais voltar. 

Sean Connery o interpretou em um filme de 1991. 

Vinhos austríacos 

Com pouco mais de nove milhões de sedentos habitantes, os vinhos austríacos são quase todos consumidos localmente. Pouca coisa sobra para exportação já que a turma entorna as taças  diariamente. 

Em um mercado de vinho global dominado por uma miríade de uvas internacionais, a Áustria se destaca justamente por suas cepas próprias, como a Grüner Veltliner. Apesar de encorpado e complexo, combina tão fácil com queijos e comidas locais que vale a pena ser explorado. A região vem fazendo sucesso graças aos rótulos excelentes e classudos com grandes vinhos complexos, minerais, de muita personalidade e elegância. 

Graças ao seu clima continental, com invernos longos e rigorosos, onde a temperatura nunca chega aos -20° C, e verões quentes e curtos chegando aos 35° C, com dias ensolarados, e influência constante Atlântico, o Wachau possui um microclima ideal para o cultivo de vinhos.

Em meados da década de 1970, o país entrou definitivamente no mapa passando a ser notado ao adotar técnicas de vinificação mais modernas no processo de elaboração dos vinhos. Durante o século XX, a Áustria foi associada ao vinho doce de massa (Grüner Veltliner e Müller-Thurgau), mas os produtores passaram a produzir estilos secos e crocantes que envelhecem muito bem.

Esta mudança para vinhos mais secos foi resultado do escândalo do anticongelante de 1985, quando descobriram que o dietilenoglicol foi adicionado a alguns vinhos produzidos a granel aumentando os níveis de doçura e corpo. A indústria vinícola austríaca entrou em colapso perdendo reputação, mas gracas a normas mais rígidas a indústria se recuperou e desde então floresceu.

Alguns dos melhores vinhos de sobremesa do mundo são produzidos na Áustria, como os renomados vinhos gelados, os Eiswein. São feitos com uvas congeladas de forma natural fermentadas em baixíssimas temperaturas por dois meses. Os vinhos são aromáticos, concentrados e doces, além de apresentarem excelente nível de acidez.

A milenar vinícola Nikolaihof fica no Wachau, onde mais? Produzindo vinhos a mais de dois mil anos foi também pioneira nos biodinâmicos. Desde 1972 seus líquidos preciosos são feitos de forma orgânica, sem pesticidas ou agrotóxicos químicos. Uma de suas criações alcançou impossíveis 100 pontos no ranking do Robert Parker, o papa da bebida de Baco. 

Antes de ser uma vinícola, o local abrigou uma vila romana e a primeira igreja dos Alpes italianos. Em seguida, um monastério tornando o local muito importante para o Catolicismo ao longo dos séculos, onde vários documentos históricos foram assinados. 

Pra ver e ler

FILME: O Nariz (The Empire of Scents) – Kim Nguyen (2014). O cheiro da rolha.

O documentário mostra o quão importante é o olfato nas nossas vidas e como nossas emoções estão fortemente conectadas a ele. 

Outro dia senti o aroma de uma flor parecida com a dama da noite e fui imediatamente teletransportado para as ruas do bairro Santo Antônio em BH onde morei quando criança. Ali as damas da noite reinavam e dominavam os fins de tarde e início das noites com seu perfume, às vezes enjoativo de tão forte, mas inegavelmente marcante.

A parte do cérebro que processa os aromas é diretamente conectada à região do cérebro onde nossas emoções são processadas. E o fato dessa conexão visceral ser tão imediata e primitiva com nossas emoções significa que, na prática, é justo através da emoção que temos o primeiro contato com o sentido do olfato. 

Você já sentiu algum cheiro que te conectou ao passado?

Para quem ama vinhos e a viagem proporcionada por seus aromas, vale a pena assistir. Você acha na Netflix, mas tem completo aqui no YouTube. 

LIVROS: Contos de Vinho – Taiana Jung & Rui Marcos (2021). Pera Manca, Margaux e Latour numa seleção irresistível. 

O casal de autores Taiana e Rui saiu pelo mundo juntando o útil ao agradável: conhecer vários países e estudar os vinhos de cada região. São 50 rótulos em 15 países diferentes, suas histórias, cultura local e fatos que explicam por que alguns deles se tornaram ícones mundiais.

Clássicos como Romanée-Conti, Barca Velha e até o mais comum e barato Marqués de Riscal, e também rótulos menos conhecidos, mas com histórias interessantes, são perfilados pelo casal. Alguns rótulos são verdadeiras obras de arte que muitos reconhecem de longe. Tem até um Merlot que passou 14 meses amadurecendo na órbita da Terra.

O livro “Contos de Vinho” narra histórias surpreendentes, algumas protagonizadas por lendas como Robert Parker, Barão de Rothschild e Nicolás Catena Zapata. Essencial para quem quer conhecer mais sobre o infinito e fascinante mundo dos vinhos. 

Os Ignorantes: Relato de duas iniciações - Étienne Davodeau (2014). Quadrinhos e vinhos. 

O que acontece quando um quadrinista que nada sabe sobre vinhos resolve viver com um pequeno produtor que quase nunca lê quadrinhos? 

O resultado do encontro e vivência por mais de um ano entre Étienne Davodeau, autor de HQs, e o vinicultor Richard Leroy está em “Os Ignorantes”. 

Ambos concordam que existem várias maneiras tanto de se criar um livro como de produzir um vinho. Nessas duas iniciações, fica evidente o poder dos quadrinhos e vinhos em aproximar os humanos

(*) Pedro Silva é engenheiro mecânico, PhD em Materiais, vive em Viena na Áustria, conhece bem os meandros e as vinícolas do Wachau, e escreve a newsletter Alea Iacta Est.

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