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120 anos de 'Os Sertões', obra que deu origem à palavra favela

Significado descoberto por soldados em Canudos mudou após a volta ao Rio de Janeiro

23 dez 2022 - 05h15
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A expressão “favela” entra para o imaginário nacional com o clássico Os Sertões, de Euclides da Cunha, que completa 120 anos. O significado atual é bem diferente daquele que os soldados conheceram na guerra de Canudos, no final do século 19. Originalmente, favela é uma planta.

Ela é descrita nas primeiras páginas de Os Sertões. Nomeia local estratégico para o conflito, o Morro da Favela, assim chamado em referência a um arbusto de espinhos e flores brancas. As sementes parecem fava, daí “favela”, “faveleiro” ou “faveleira”.

Apesar da referência à planta, havia pouca vegetação no Morro da Favela. O local é “desnudo e áspero”, segundo Euclides da Cunha. Ele admira a planta porque, à noite, produz orvalho, “a despeito da secura”, enquanto, de dia, a folha é “uma chapa incandescente”. O escritor afirma que as favelas são desconhecidas ou ignoradas por especialistas.

Ao chegar à região, em 1893, Antônio Conselheiro encontrou, no Morro da Favela, uma antiga venda em ruínas, “destelhada, reduzida às paredes exteriores”, assim como muitas construções precárias que caracterizariam as favelas brasileiras no século seguinte.

Soldado expedicionários da Bateria do Perigo ficaram sem casa na volta da guerra.
Soldado expedicionários da Bateria do Perigo ficaram sem casa na volta da guerra.
Foto: Flávio de Barros

De planta a sinônimo de periferia

O escritor Alessandro Buzo mora no extremo da zona Leste de São Paulo, no Itaim Paulista. Apesar do nome oficial, a região surgiu de

uma ocupação e ainda é chamada de Favela do Buraco ou Favela Maria Ângela.

Buzo realizou 30 edições o evento Favela Toma Conta, carro-chefe de sua agitação cultural. “Favela é uma planta, uma flor que tinha muito onde trabalhadores atuaram e, ao não receberem a moradia prometida, foram para o morro da Providência e acabaram apelidando o local de favela. Aí o termo se popularizou”, relembra.

Os trabalhadores eram soldados que atuaram na Guerra de Canudos. Como recompensa, receberiam moradias, mas a promessa não foi cumprida. Então passaram a ocupar o morro da Providência, no Rio de Janeiro, associando o nome favela, do morro sertanejo, à ocupação carioca.

Sinônimos de periferia

Quando a poeta Maria Nilda de Carvalho Mota, a Dinha, procurou a origem da palavra “favela”, buscava uma explicação condizente com o cenário que conhecia, de “habitações precárias, pouco saneamento básico, a fome dormindo na soleira da porta”. Ela ficou surpresa ao saber da trajetória da planta típica do semiárido.

“Depois do estranhamento inicial, o nome ganhou ainda mais coerência para mim: favela é lugar de gente bonita e forte, resistente, como a planta, como os sertanejos e sertanejas do nosso país. Conhecer a favela, por dentro, por fora e historicamente, me faz preferir esse termo em vez de comunidade”.

O escritor Alessandro Buzo conhece muita gente que se orgulha da palavra favela. “Também conheço pessoas que se incomodam e preferem chamar de comunidade. A questão é usar de forma positiva, afirmativa. Eu não tenho nenhum problema com o nome.”

7º Batalhão de Infantaria de Canudos. Na volta da guerra, soldados sem casa.
7º Batalhão de Infantaria de Canudos. Na volta da guerra, soldados sem casa.
Foto: Flávio de Barros

Favela, ponto estratégico

Marco natural importante, do alto do Morro da Favela era possível “abranger de um lance o conjunto da terra”, ou seja, ver todo o arraial de Canudos. Por isso se tornou local estratégico para os conselheiristas e soldados da República, que disputaram seu controle.

Os batalhões oficiais tomaram o Morro da Favela no início do conflito e, a partir dele, bombardearam Canudos. O local chegou a abrigar mais de 1500 soldados. Euclides da Cunha classifica os combates como “sombrios”.

Para Eduardo Guilherme de Carvalho Mota, sociólogo e pedagogo, morador do Parque Bristol, atualmente a favela é ponto estratégico para expansão do consumo. “Isso fez com que os vendedores de mercadorias passassem a olhar a favela como nicho de mercado, daí que se retiraram das zonas da classe média para trazer seus supermercados, suas lanchonetes e suas farmácias para a beira da barba da favela”.

Segundo Mota, “estão apostando nas pessoas faveladas porque ali enxergam maiores possibilidade de vender em massa e para a massa, numa dobradinha pilantra de aprisionamento do povo no gueto”.

400 correligionários de Antônio Conselheiro presos. Miséria ontem e hoje.
400 correligionários de Antônio Conselheiro presos. Miséria ontem e hoje.
Foto: Flávio de Barros
ANF
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