Alta da inflação dos alimentos atinge acesso de famílias das periferias
Moradores dependem cada vez mais de ações de solidariedade para não passar fome
A agente popular Jany Dayse Fidelis da Silva, 42, sente na pele os impactos causados pela inflação dos alimentos. Mesmo passando por dificuldades, a desempregada tenta amenizar o sofrimento da sua comunidade, a Favela Muvuca, localizada no bairro Vergel do Lago, parte baixa de Maceió (AL), angariando doações de cestas básicas para os que mais precisam. Ao todo, no complexo lagunar, residem aproximadamente 15 mil famílias. A região é formada por quatro favelas, além da Muvuca, há a Sururu, Peixe e Mundaú, formadas por barracos feitos com restos de lona e madeira.
A realidade vivida por Dayse e seus vizinhos ajuda a ilustrar os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostram os problemas enfrentados pela população periférica no acesso a alimentos. A inflação subiu 0,67% em junho, após a variação de 0,47% no mês anterior, que é considerada como a maior taxa para esse período desde 2018, quando ficou em 1,26%. Uma alta que foi influenciada pelo aumento de 0,80% no grupo de alimentação e bebidas, que tem grande peso (21%) no índice geral. No ano, a inflação acumulada é de 5,49% e, nos últimos 12 meses, de 11,89%.
"Seiscentos não dá pra comprar leite, fralda, o alimento adequado para as nossas crianças. A gente não tem como dar uma vida digna às nossas crianças. Nós não temos como ter a dignidade de dizer: 'vamos nos alimentar bem'", relata a agente popular. Com o que ganha do programa de transferência de renda que substituiu o Bolsa Família, Jany Dayse realiza as compras básicas. "Só entra arroz e feijão que o preço do arroz tá um absurdo, o óleo piorou, a farinha, meu Deus do céu, até os ovos".
O estudo Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), divulgado no último dia 14 de setembro, aponta que a população de Alagoas, onde Jany mora, ao levar em consideração o número de habitantes, tem o maior índice de insegurança alimentar grave do Brasil — quando a família sente fome e não come por falta de dinheiro. Só para se ter uma ideia, no Estado, 36,7% das famílias estão nessa situação. Nas regiões Norte e Nordeste do país, a fome atinge 125 milhões de brasileiros. A média nacional chega a 15,5%.
Na ausência do Estado, solidariedade
A agente popular, que mora com o companheiro, Severino Martins da Silva, 45, e o enteado, José Lucas, 8, faz a ponte entre grupos e organizações que querem fazer doações para a comunidade. O que falta de valor nutricional na mesa dos moradores da Muvuca, e, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tenta suprir. "Sempre todo dia 25 eles vêm e trazem macaxeira, batata, inhame, abóbora, coco, laranja, coentro, as verduras, pra gente", conta Dayse.
Além do MST, outros grupos doam cestas básicas a produtos de higiene pessoal. "Eles tiram do próprio bolso, mandam um pouco para dar aqueles mais necessitados", ressalta a moradora do Vergel.. Além da fome, a comunidade também precisa lidar com a pobreza menstrual. Essa rede de solidariedade ajuda as meninas e mulheres da comunidade com"Elas a usam aqui papel higiênico, outras, tecido, as pessoas se sensibilizaram com a situação. É cada vez mais difícil neste momento alcançar o mínimo em casa", lamenta.
Política econômica aumenta desigualdade
O economista e mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Lucas Sorgato, afirma que a política econômica adotada pelo Governo Federal norteia a produção no país. Ele aponta para a taxa de câmbio como o fator que impulsiona a alta dos alimentos. "Nessa taxa de câmbio mais desvalorizada que a gente tem, torna mais interessante para os produtores exportarem suas produções, inclusive, as produções de alimentos. Fica muito mais rentável exportar carne, exportar arroz, soja, trigo, leite, do que vender para o mercado interno. Por isso que a nossa inflação de alimentos está tendo um aumento nos últimos tempos, além do aumento do preço do combustível", ressalta o especialista..
Sorgato fundamenta que a redução do ICMS (Lei Complementar nº 194/2022), que impôs limite de 18% da alíquota do imposto estadual sobre os combustíveis, não surtiu tanto efeito no transporte rodoviário de mercadoria, uma vez que esse transporte é feito por caminhões que são movidos a diesel, "o diesel caiu muito menos do que a gasolina. Então por isso que o preço dos alimentos ainda está em alta".
Ainda para o economista, devido às consequências do processo sócio-histórico de exclusão social e ausência de políticas públicas efetivas de inclusão no país, quem mais sofre com a falta de acesso aos alimentos básicos são as famílias mais pobres. Ao refletir sobre as possíveis saídas para a diminuição da inflação, o economista destaca que o governo pode tomar medidas que vão desde a distribuição de renda, como acontece com o pagamento de benefícios dos programas sociais, como o sucesso do Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Além como com a da correção de impostos para que os produtos possam ficar mais baratos e de fácil acesso à essa população
"Você tem aí um comprometimento da renda muito maior no quesito de subsistência. Principalmente em produtos que vão para a cesta básica, como arroz, que teve um aumento expressivo, a proteína carne e os demais derivados. Aquela população que está recebendo até um salário mínimo e meio, dois salários, sofre mais", argumenta.
Este conteúdo foi produzido no âmbito do projeto Planeta Território, uma iniciativa da Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade para fomentar e distribuir informação de qualidade sobre a emergência climática, o contexto eleitoral e o impacto na população periférica por meio de totens digitais em estabelecimentos comerciais das periferias de São Paulo.
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