Ativistas querem inclusão da periferia em discussões climáticas
Ativistas periféricos defendem descentralização da política e fortalecimento do território na discussão sobre o clima
O Parque Nacional do Juquery, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, teve 80% da sua área destruída em um incêndio em agosto do ano passado. Na mesma cidade, deslizamentos após chuvas causaram mortes na região - um tipo de caso que já levou a mais de 100 vítimas em seis anos, apontou levantamento do G1.
Esse tipo de tragédia nas periferias está ligada a um tema pouco falado nas eleições deste ano: os impactos no meio ambiente e da emergência climática. Ativistas que vivem nas periferias de São Paulo alertam para a necessidade de cobrar políticas públicas sobre o tema, tendo em vista o agravamento desses eventos extremos, enquanto pedem por maior presença das periferias na discussão de soluções.
"A gente, que sabe da nossa realidade, é quem vai lutar mais por ela", afirma Sueley Cavalcante, 23, ativista e integrante do Fridays for Future, movimento internacional pela ação contra as mudanças climáticas.
Sueley sabe dos problemas. Ela vive no Jardim Guarani, na região da Brasilândia, periferia da zona norte de São Paulo, região que também costuma ser afetada por enchentes no começo de ano. Ela aponta que é difícil que a mudança venha a partir de pessoas que não vivenciaram a realidade da quebrada.
Segundo a ativista, a falta de água e saneamento básico são exemplos estruturais que já são sentidos pelas periferias e que se agravarão diante da emergência climática global.
"Por mais que a pessoa venha aqui, faça pesquisa in loco, não vai ser a mesma coisa, porque não é o avô dele, o pai dele ou dela, que está vivendo ou está sofrendo (com os impactos)."
Além disso, as propostas tecnológicas para solucionar esses problemas não estão recebendo o financiamento necessário, diz a ativista, e a pauta climática, dentro da atual estrutura de poder no país, acaba sendo relevante apenas para "passar por cima".
A ativista climática Amanda Costa, 25, concorda. Moradora do Jardim Almanara, também na zona norte de São Paulo, defende uma mudança no modo de fazer política.
"Hoje a política acontece do centro para a periferia. A gente precisa inverter essa lógica, pautar da periferia para os outros espaços"
Amanda Costa, 25, ativista climática
Amanda é fundadora do PerifaSustentável, e afirma que não se pode pensar em políticas ambientais sem pautar o enfrentamento ao racismo ambiental e a promoção da justiça climática, uma vez que são "pontos transversais que vão afetar qualquer área."
Racismo ambiental, comentado por Amanda, tem relação com a ideia de que os impactos da devastação do meio ambiente não afetarão a todos da mesma forma, prejudicando com maior intensidade os grupos étnicos minoritários - como a população negra que vive nas periferias.
A jovem dá como exemplo a falta de incentivo à mobilidade ativa, como caminhar ou pedalar, por exemplo, e o transporte coletivo superlotado. Fora dos transportes, Amanda comenta a falta de educação ambiental nas escolas, como trazer às salas de aula a importância da agricultura e a possibilidade de hortas urbanas - plantar o próprio alimento em áreas onde há espaço.
Segundo ela, mobilizar a própria quebrada para essas tarefas, além de ser uma forma de educação ambiental, também supre o desafio da insegurança alimentar presente no país.
Atualmente, 33 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave, isto é, passando fome, o que corresponde a 15% da população, mostrou o Vigisan (Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19) no Brasil, realizado com base em dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022.
"E dentro desses 33 milhões, há 17 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, que não faz uma refeição por dia", diz Amanda. "Hoje a quebrada está passando fome."
"A crise climática vai potencializar (os danos a) todos, só que em tempos diferentes. O primeiro grupo será o grupo mais vulnerabilizado. São as mulheres pretas, periféricas, quilombolas, ribeirinhas", diz.
Mudanças climáticas
As consequências das mudanças climáticas já são uma realidade, diz o professor Marcelo Marini, docente do programa de pós-graduação em sustentabilidade da EACH-USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo).
Segundo o especialista, o aumento global da temperatura tem provocado frios intensos em alguns locais, maior incidência de eventos climáticos extremos, como furacões, tempestades, inundações, secas, e se espera inclusive alterações de correntes marítimas que ainda não se sabe ao certo quais impactos terão.
Quem vive em situação de vulnerabilidade, seja ela alimentar, social ou mesmo de moradia, evidentemente vai sofrer mais.
"Pessoas que moram em áreas consideradas de risco, como encostas, beira de rios, costas e morro, estarão mais sujeitas a problemas do que estão hoje"
Marcelo Marini, professor da EACH-USP
Para o professor, haverá mais mortes, mais riscos e fome, e não será a mudança climática responsável por fazer com que o poder público altere sua trajetória.
"Eu não acredito que falte política pública. Eu acho que a política pública é essa, de segregação, de vulnerabilidade, a péssima educação, de péssima assistência social, péssima saúde, é o modelo, essa é a política, não é falta de política."
Este conteúdo foi produzido no âmbito do projeto Planeta Território, uma iniciativa da Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade para fomentar e distribuir informação de qualidade sobre a emergência climática, o contexto eleitoral e o impacto na população periférica por meio de totens digitais em estabelecimentos comerciais das periferias de São Paulo