Jovens empreendedores apresentam negócios na Expo Favela 2023
Evento realizado no último fim de semana em São Paulo contou com área exclusiva para exposição de empresas de empreendedores periféricos
Com o tema do empreendedorismo tão presente, não é surpresa que surjam pessoas cada vez mais jovens investindo no próprio negócio. A segunda edição da Expo Favela, feira de negócios realizada no último final de semana na zona sul de São Paulo, mostrou isso.
Entre as dezenas de expositores que ocuparam o quinto andar do WTC Events Center, na região do Brooklin, era fácil encontrar rostos recém-saídos da adolescência divulgando projetos. É o caso de Vitor Gonçalves, 19.
Em um stand no canto da primeira fila de expositores, ele apresentava ao público as camisetas da Correrue, empresa que tem menos de um ano de existência. O objetivo é levar o estilo streetwear (“moda de rua”, em português) para a periferia, começando especificamente por Suzano, na Grande São Paulo, onde o jovem mora.
“Quando olhava para o streetwear, principalmente na internet, olhava uns caras em condomínios usando as camisetas, tirando umas fotos. Quem está na rua não usa isso aí. Então pensei em fazer uma parada que, quem está na rua, vai ter orgulho. Vou conseguir representar quem está lá”, conta.
As camisetas que Vitor lança tem como característica o uso de personagens ligados ao “mandrake”, como os Irmãos Metralha, da Disney, mas também frases de efeito vindas do funk ou do rap.
“A primeira frase que a gente trouxe do rap foi a do [rapper] Febem: ‘preço é diferente de valor, pega a visão’. Fiquei com mó medo, vai que os cara me processa. Mas graças a Deus, o cara olhou e abraçou. Ele veio comprar a camiseta dele.”
Além do trecho da música “Rua”, do Febem, a Correrue também tem camisetas com frases dos MC’s Kyan, que é da nova geração do trap, e do Daleste, que foi um dos precursores do funk ostentação no começo da década passada.
Já pensando numa internacionalização da marca, Vitor faz questão de deixar as frases também em espanhol em todas camisetas que lança. “Quero que leiam essa parte em espanhol e entendam que é [uma marca de um] latino. Eles não vão ter essa cabeça de 'nossa, um americano que fez isso', não vão ter o pensamento de estadunidense fazendo essa parada”, diz.
Antes de criar a marca, Vitor trabalhava para um pastor. “Fazia de tudo, desde trabalhar com marketing e anúncios, até ajudar em obras, carregar geladeira para a casa dele. Ele alugava a gente e eu precisava mudar essa parada. Eu já andava muito no Brás desde os 12 anos, já conhecia fornecedores, sabia vender, ter uma lábia, então abri a Corre”.
Também foi uma experiência prévia no centro da cidade que levou Wagner Júnior, 23, ao empreendedorismo. Enquanto Vitor conhecia o ramo da moda no Brás, o “Juninho Smith”, como é conhecido, estava na área da assistência técnica na rua 25 de Março.
“Era ‘puxador’, levava serviço para um cara arrumar. Ele viu minha capacidade, minha força de vontade e resolveu me ensinar a arrumar. Já tem oito anos que faço isso, hoje sou especialista em todas as marcas, consigo arrumar qualquer aparelho celular que tenha peça e sou especialista em placa de iPhone também”, conta ele, que é morador da Cidade Tiradentes, na zona leste da capital.
Durante a pandemia de Covid-19, ele precisou colocar esse conhecimento em prática e, com um caixote, começou a fazer os consertos de aparelhos na rua mesmo. Nascia assim a empresa dele, a Favela Cell.
“Demorava muito para fazer esse serviço porque a demanda era muito alta e eu não conseguia atender a todos. Comecei a oferecer um serviço mais gourmet, atendendo na residência dos clientes ou na empresa deles, e comecei a atender delivery”, relata o jovem empreendedor.
Juninho agora tem duas lojas, uma na 25 de março e outra em Cidade Tiradentes. Graças à divulgação nas redes sociais, ele novamente teve o “problema bom” de ficar com uma grande quantidade de clientes. “Não estou conseguindo ter um aporte de qualidade para conseguir entregar o serviço para todos”, diz.
Foi daí que surgiu a ideia de desenvolver um aplicativo que expandisse a ideia do “delivery de assistência técnica”. O objetivo é fazer com que clientes e prestadores de serviço estejam em um mesmo ecossistema, tenham a Favela Cell como fornecedora de peças e consigam agilizar o conserto dos aparelhos por meio do trabalho dos motoboys.
“Conheço pessoas que são capacitadas para fazer o mesmo serviço que faço. Montando o aplicativo, consigo atender a demanda do meu cliente e do meu amigo prestador de serviço. Eles precisam de mais clientes e não têm o capital para arrumar o celular no mesmo dia e na mesma hora, que é o que eu faço.”
Essa foi a segunda Expo Favela de Juninho. Ele conta que, até a primeira edição (em abril de 2022), a ideia era expandir a Favela Cell por meio de franquias, mas viu que essa solução talvez não conseguisse oferecer o mesmo padrão de qualidade que ele busca por meio do aplicativo.
“Do ano passado para cá, tive que montar uma estrutura melhor, conseguir network, conhecer mais pessoas, conhecer sobre meu assunto também. Hoje penso em direcionar porque dá menos trabalho e consigo integrar mais pessoas para esse serviço. Direciono os serviços mais simples para as pessoas, não a pressão de ter uma loja”, conta.
Quem também começou cedo no ramo de montar o próprio negócio foi Sarah Gouveia, 23. Moradora da Vila Nhocuné, também na zona leste, ela conta que sempre teve o tal do “espírito empreendedor”, mesmo não tendo esse tipo de referência na família.
“Desde criança via aqueles programas para aprender a fazer alguma coisa com uma caixa de papelão e já queria vender. Via algum produto, tentava reformulá-lo e vendia na escola”, lembra.
“Empreender em uma família em que ninguém é empreendedor fica aquele 'não, vai pelo caminho mais fácil, seja CLT, seja concursada'. Meu pai é engenheiro concursado do Metrô, então até ele realmente acreditar no meu empreendimento, levou um processo.”
O primeiro projeto de Sarah foi dar aulas de dança, mas o “protótipo” da empresa dela, a Ubuntux, veio por meio da fotografia, fazendo imagens de eventos culturais e casamentos. Com a pandemia, ela precisou expandir as atividades do negócio.
“A Ubuntux é uma agência de comunicação integrada, a gente trabalha com uma tríade: design gráfico, marketing digital e fotografia. Surgiu dessa necessidade dos microempreendedores do bairro, a gente viu o pessoal que vende pão, pano, que eles só estavam vendendo para aquela rua ou para a rua abaixo, não conseguiam ampliar o empreendimento e o lucro”, conta.
Após um mapeamento desses microempreendedores locais, a jovem ofereceu uma consultoria gratuita de um mês para que eles pudessem conhecer o básico de algumas ferramentas digitais.
“A cada semana, eles aprendiam a mexer o básico no Facebook, básico de YouTube, Instagram, TikTok e, principalmente, LinkedIn, pois é muito importante esses empreendimentos estarem nessa rede social para auxiliar na contratação de novas pessoas”, comenta.
“A gente faz a identidade visual, a gente fala que é a nossa ‘malinha’, que tem todas as explicações sobre a marca, como ela pode se desenvolver. Mesmo que a pessoa encerre um trabalho conosco, a gente fica acompanhando de forma gratuita para caso eles tenham alguma dúvida”, completa.
Essa foi a primeira Expo Favela da Ubuntux. Sarah contou que, durante o fim de semana, participou de duas mentorias e fez diversas conexões. Para o ano que vem, ela projeta não só expor novamente, mas também ser uma das palestrantes: “meu sonho é estar no palco”.