Jovens ganham grana fazendo bonés de crochê nas periferias
Artesãos, cada um no seu estilo, levantam a bandeira de uma arte antes marginalizada
Eventos de arte, empreendedorismo, palestras, entrevistas e muita encomenda para entregar. Essa é a rotina do Artesanato Chave, coletivo de moda recém-criado, que produz bonés, roupas e outros itens para jovens da periferia de São Paulo. Acessórios antes marginalizados, mas que agora quebra estereótipos, gera renda e marca o perfil de quem é cria da quebrada.
Dessa forma, jovens artesãos, cada um no seu estilo, levantam a bandeira dessa arte – apelidada por quem usa de “crochê chavoso” – na periferia. O coletivo é formado por Diego Henrique Domingos (Arte do Magro), Rafael Estevão, Vitor Siqueira (Crochê de Vilão), Rafel Lorinho (Crochê.777) e Matheus Rodrigues (Sem Nome Ateliê).
O grupo foi criado em 2022 e cada um dos artistas tem uma relação diferente com o crochê, que hoje é a principal fonte de renda de todos eles. Segundo eles, a ideia do coletivo é dar voz a jovens artesões, crocheteiros e à periferia. Nesse contexto, desde que foi criado o coletivo ganhou seu espaço na moda rapidamente. Os jovens já apresentaram seus trabalhos da coleção Ponto Firme em duas edições da São Paulo Fashion Week.
Para eles, o movimento resgata vidas e a cultura do funk na periferia com uma tendência resumida em “estilo do mano”. Henrique Domingos, 34, teve o seu primeiro com o crochê ainda dentro do sistema prisional, ha pouco mais de 14 anos. Mas foi na rua, ao ver um colega com um boné de crochê, que ele passou a ter curiosidade e o desejo de aprender a produzir essa arte.
“Na cadeia era o meu sustento e o da minha família. Passei a ensinar outros colegas de cela a produzir também. Depois que saí, desfoquei um pouco, passei a fazer um boné por ano, mais por passatempo. Mas agora voltei com tudo”, conta Henrique.
Morador do Jaraguá, na Zona Oeste, hoje ele atende um público variado, do mais novo ao mais velho. Formado em contabilidade, o artista conta que a falta de oportunidade no mercado de trabalho e o preconceito da sociedade depois que saiu da prisão fez com que ele investisse na sua arte.
“Já produzi mais de 800 bonés. O que começou com pequenos encontros, acabou se tornando um coletivo de grande força. Uma parceria forte. Uma esperança para os desfavorecidos, assim como fui. Hoje me sinto forte para dar seguimento a essa ideia, a projetos sociais”, relatou Domingos ao Visão do Corre.
Os jovens contam que o grupo tem grandes projetos para 2023, que vão valorizar ainda mais a produção de peças de roupas de crochê na periferia. Para Vitor Siqueira, 22, o momento é de transformação e realização para o jovem empreendedor da quebrada.
Em 2018, Siqueira conheceu o crochê e a sua produção. Na época, ele aprendeu os pontos tradicionais com um vizinho artesão, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Desde então ele não parou de aperfeiçoar suas habilidades com o estilo.
“Eu comprava bonés dele pro meu uso, sempre gostei do estilo. É uma marca muito forte nas quebradas. Chegava a pagar R$ 30 num boné, era muito desvalorizado na época. Hoje eu faço e vendo uns modelos por no mínimo R$ 200”, relatou o jovem, que começou vendendo no bairro e criou a sua marca Crochê de Vilão em 2020.
As peças carregam diferentes estampas e desenhos diferentes. No Instagram, onde ele tem mais de 20 mil seguidores, recebe encomendas de todas as partes do Brasil. Foi a partir daí que ele perdeu a vergonha e começou a postar os seus trabalhos de crochê, desde capa da esqueiro a bonés.
“Recebi críticas no começo. A internet enquanto ajuda, ela também derruba, se você não tiver cabeça boa. Tem muita gente maldosa que desmerece nosso trampo. Mas isso me serviu de motivação. Meus bonés já foram para Londres, criamos um coletivo que valoriza a originalidade da quebrada e a união dos artistas, tenho outras exposições para participar. Me considero um revolucionário”, comentou o artista.
O movimento tem uma forte expressão periférica, e com a maioria dos seus artesãos homens negros, ainda sofre com o preconceito em muitas situações. Mas as parcerias entre artistas e outras instituições contribuem no combate a esse estigma, como destaca Matheus Rodrigues, 27. "É um movimento de valorização. Não faz sentido a galera daqui, que cria o boné, ser criminalizada e associada com facção criminosa enquanto marcas de fora estão vendendo os bonés a valores bastante caros", diz.
Rafael Loirinho, do Crochê.777, começou no ramo em meados de 2012. Ao ver o boné confeccionado com uma marca famosa, ele se interessou pelo estilo. “A partir daí eu comecei a admirar ainda mais. Mas fui aprender só em 2020, quando um amigo que ficou preso me ensinou. Hoje é minha principal fonte de renda”.
Mas o jovem relata os desafios que ainda enfrenta ao empreender na periferia. “A gente tem de pensar na entrega, na compra de produtos, na logística. Mas estamos aí, na correria, como sempre”.