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Maria Helena, um bairro de empreendedores na periferia de BH

Localizado entre Venda Nova e Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana, ponto estratégico favorece o comércio

22 jan 2024 - 05h00
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Esquina da rua Cova da Iria, no bairro Maria Helena, localizado entre Venda Nova e Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte
Esquina da rua Cova da Iria, no bairro Maria Helena, localizado entre Venda Nova e Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte
Foto: Erlaine Gracie/ANF

Localizado na região de Venda Nova, o bairro Maria Helena começou a ser ocupado no início da década de 1980. Uma parte pertence a Belo Horizonte, a outra à Ribeirão das Neves. Por estar longe de centros desenvolvidos economicamente, como a própria capital mineira, a área sempre foi considerada periférica. Quem mora no local se considera “vendanovense” e essa classificação engloba todas e todos, como se fossem de uma cidade à parte.

Marcado pela carência de serviços urbanos, o comércio e os serviços do Maria Helena cresceram nas áreas de convivência que existem desde o começo da ocupação. Vizinho do bairro Mantiqueira, de onde sou cria, o “Marião”, como chamávamos o Maria Helena, foi o lugar onde passei muitos finais de semana na casa da minha tia. Os primos se reuniam e sempre brincávamos de fazer teatro, dirigido pelo meu primo Juninho, mas ele gostava que falasse que era cinema mesmo.

E essa brincadeira se tornou uma grande verdade, exemplo das iniciativas locais, pois Oderval Júnior é o fundador do Coletivo Noite de Cinema, um projeto que iniciou na própria rua, com ações voltadas para o audiovisual.

“É difícil, prima, comentar essa história sem me emocionar. Nosso primeiro evento aconteceu no dia 31 de janeiro de 2012, numa quinta-feira, e acabou chovendo. Foi uma iniciativa com o apoio da família e dos moradores. Quando estendi um lençol branco, consegui as cadeiras num bar e um projetor emprestado. A gente alugou um filme dos Trapalhões e realizamos a primeira sessão do Noite de Cinema”, relembra Júnior.

Daquela rua sem saída onde Juninho morava, o Noite de Cinema se estendeu pela Região Metropolitana de Belo Horizonte, por Minas Gerais e pelo Brasil, somando hoje um público de favela e periferia em torno de 80 mil expectadores nos eventos de cinema ao ar livre.

A família que começou a Loja do Bié veio do interior de Minas Gerais. Local foi bar, loja de presentes, papelaria e atualmente vende aviamentos
A família que começou a Loja do Bié veio do interior de Minas Gerais. Local foi bar, loja de presentes, papelaria e atualmente vende aviamentos
Foto: Erlaine Gracie/ANF

Bié: do fiado ao comércio com cartão

Diversas ruas do Maria Helena eram desertas e os moradores que iam chegando, logo despertavam o interesse de abrir algum negócio. Foi o caso do pai de Ronaldo Martins Bié. Ele veio do norte de Minas Gerais, da cidade de Senador Modestino Gonçalves, com o intuito de fundar um comércio e ficar no local.

Ronaldo, 56 anos, conhecido como Bié, assim que chegou, em 1989, montou um bar com o pai. Três anos depois, conseguiu substituir o comércio por uma loja de presentes, sonho que tinham desde quando moravam no interior.

“Meu pai tinha muito filho. Dos irmãos, sou só eu de homem e cinco mulheres, e apertou muito, porque tinha que estudar, e aí nós viemos pra cá pra poder tentar a vida”, recorda Bié.

Bié: sobrenome virou primeiro nome, mas a popularidade o tornou conhecido. Boa prosa é marca registrada do comerciante
Bié: sobrenome virou primeiro nome, mas a popularidade o tornou conhecido. Boa prosa é marca registrada do comerciante
Foto: Erlaine Gracie/ANF

No início, foi bem difícil, cerca de seis anos para se acostumarem com o perfil da cidade. “No interior você confia em todo mundo, né? Aqui, nós tomamos muito prejuízo, até conhecer quem paga e quem não paga, a gente perdeu muita coisa”, conta Bié. Hoje, conhece de perto a freguesia e se sente aliviado por não vender mais fiado, principalmente porque existe cartão. 

A lojinha de presentes passou a papelaria e agora é uma grande loja de aviamentos. Bié é muito popular. Durante a entrevista, a cada cliente que entrava era perceptível que a relação ia muito além de comprar e vender. A compra era motivo para uma longa prosa. O costume interiorano de bater papo não se perde e ajuda na sobrevivência.

“Minha mãe, que era muito empreendedora, tinha capacidade de ganhar dinheiro numa facilidade... Tanto que, se ela tivesse viva, nós não precisaríamos ter vindo pra cá”, comenta Bié, lembrando que a mãe, dona Nair, morreu de doença de Chagas, muito comum em sua época.

Sandra e Marinei: acreditando no comércio local

As histórias sobre o empreendedorismo se cruzam no bairro Maria Helena. Sandra Pereira, 46 anos, nascida e criada em Venda Nova, casou-se aos 17 anos. Foi desafiante quando viu o ex-marido perder o emprego e iniciar a vida como fotógrafo, simplesmente por ter uma máquina fotográfica em casa.

Atualmente divorciada, Sandra Pereira empreende sozinha. Nunca trabalhou para terceiros, nem fora do Maria Helena, na Região Metropolitana de Belo Horizonte
Atualmente divorciada, Sandra Pereira empreende sozinha. Nunca trabalhou para terceiros, nem fora do Maria Helena, na Região Metropolitana de Belo Horizonte
Foto: Erlaine Gracie/ANF

Em 1994, ela começou a trabalhar com ele e, percebendo que o negócio engrenava, registrou a empresa em 2013. “Sempre empreendi, nunca trabalhei para terceiros ou fora do bairro”, diz Sandra, que atende tanto os públicos de Ribeirão das Neves, quanto de Belo Horizonte.

“Aqui é Vila Delma, mas como são apenas dez ruas, as pessoas entendem como Maria Helena, bem perto do final do ônibus 624”, explica. Hoje, ela é a única proprietária do Studio Divina Providência e acompanha as exigências do mercado digital.

Quem também não perde tempo e segue as novas tendências é a Marinei Aguiar dos Santos, funcionária pública celetista e empreendedora. Nasceu em Açucena, interior de Minas, e mora na região de Venda Nova há 13 anos. Desde que chegou, enxergou um grande potencial nos bairros da redondeza. Ela atua na prestação de serviços de social media e gestão de tráfego. E também investe em sandálias personalizadas.

Para ela, o comércio local tem extrema importância na geração de emprego e renda. “Consumindo perto de casa, você estará ajudando a formar um efeito dominó do bem, porque um estará ajudando o outro e todo o bairro será beneficiado”, analisa a empreendedora.

“Decidi sair da zona de conforto e empreender”, diz Marinei Aguiar, incentivadora do comércio local e da geração de renda no bairro Maria Helena, em Belo Horizonte
“Decidi sair da zona de conforto e empreender”, diz Marinei Aguiar, incentivadora do comércio local e da geração de renda no bairro Maria Helena, em Belo Horizonte
Foto: Erlaine Gracie/ANF

Seu Inhô é grato pela vida no Maria Helena

Ajuda mútua e amizades longas são características comuns entre os vizinhos.  Os comerciantes e moradores são amigos e praticamente todos vieram do interior de Minas Gerais, com objetivos e histórias semelhantes.

O senhor Adelino Alves dos Santos, 78 anos, conhecido como Inhô, sempre gostou de jogar peteca na rua e colocar uma cadeira no portão de casa para prosear sobre como era vida no campo. Ele nasceu em Rio Acima, que embora seja próximo à Nova Lima, cidade com grande concentração de pessoas de alta renda, não tem as mesmas oportunidades e facilidades.

“Nova Lima é chique, mas eu era bem pobre”, resume. Ele mudou para o bairro Maria Helena aos 12 anos de idade, após a morte do pai, e nunca pensou em sair. Trabalhou muito, constituiu família e é o pai da minha melhor amiga de infância.

Senhor Avelino, o Inhô, sempre que pode, coloca sua cadeira diante do portão. Gratidão pelo bairro Maria Helena, que o acolheu
Senhor Avelino, o Inhô, sempre que pode, coloca sua cadeira diante do portão. Gratidão pelo bairro Maria Helena, que o acolheu
Foto: Erlaine Gracie/ANF

“Amo meu bairro, amo onde eu moro, pra mim aqui é tudo. Minha vida e da minha família é contada aqui”, diz Inhô, com gratidão.

ANF
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