Na Maré, empreendedorismo transforma funcionários em patrões
“Já que é para morrer trabalhando para os outros, eu morro trabalhando pra mim”, diz Cristiano Leite, dono de uma loja de artigos religiosos
De acordo com um levantamento realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Rio de Janeiro, os pequenos negócios correspondem a 92% das empresas. Atualmente, são mais de 1,7 milhões de empresas no Estado, sendo que 65% são microempreendedores individuais (MEI). O Sebrae Rio, aponta que o Rio de Janeiro é o terceiro estado do país em números de pequenos negócios, correspondendo a 9% no Brasil.
Segundo a economista, mestre em Gestão e Negócios, Dirlene Silva, dados do Portal do Empreendedor, do Governo Federal, mostram que 2020 foi o ano com maior número de pequenos negócios abertos, o que mantém o crescimento da categoria desde a data do seu surgimento.
Dirlene afirma que a pandemia fez com que as pessoas empreendessem mais, mas acredita que já era algo que estava em alta. “Acredito que o crescimento do empreendedorismo durante a pandemia veio para ficar e fez com que muitos mudassem sua visão de trabalho. Muitas pessoas perderam seus empregos e viram no empreendedorismo uma saída, uma viabilidade para se manter. Ou seja, empreenderam pela necessidade, mas vão continuar os seus negócios porque viram uma oportunidade, ou encontraram seus verdadeiros propósitos”
O empreendedorismo nas favelas como superação do desemprego
Segundo Dirlene, as pessoas no Brasil não são ensinadas a empreender “o comum em nossa cultura é buscar a segurança, a estabilidade em um órgão público, ou trabalho em uma empresa. Entretanto, a economista afirma que, nas favelas, o empreendedorismo sempre existiu: o pequeno armazém, o boteco, a fruteira, a barbearia, o engraxate, ou o vendedor (a) de porta em porta, sempre foram empreendedores, mas muitos não encaram o negócio como um empreendimento, nem se veem dessa forma”, aponta.
Foi o caso da cabeleireira Michelle da Silva do Nascimento, 28 anos. Ela conta que quando iniciou o trabalho em um salão de beleza especializado em cachos, não tinha experiência, mas descobriu que gostava da área que lhe ajudou a gostar do seu próprio cabelo crespo. Durante três anos trabalhou em um salão onde adquiriu experiência.
Quando saiu, precisou fazer algo para ter renda e não queria voltar a trabalhar para os outros e passar por todo o estresse do seu último trabalho, então decidiu que iria se aperfeiçoar. Investiu em cursos profissionalizantes na Organização Não Governamental (ONG) Nova Direção, fez curso de cabeleireiro e começou a trabalhar em casa, apenas com uma cadeira e um espelho que ganhou da mãe e a postar o resultado do seu trabalho nas redes sociais.
Michelle conta que no início não sabia administrar o dinheiro. Gastava tudo que ganhava. Com o aumento da procura percebeu que precisava estudar, retornou à ONG e fez o curso técnico em administração e também curso de barbearia, depilação e estética.
“Recorri novamente à ONG, onde fiz o curso de administração. A partir dali, comecei a me ver como uma empresa, ter um olhar de empreendedora. “Já estou ‘beirando’ sete anos trabalhando com salão de beleza”, conta. No ano passado, por causa da pandemia, Michelle parou de alugar o ponto do salão de beleza, passou a trabalhar em casa, alugou uma kitnet e fez dela seu próprio estúdio, localizado na Rua Praia de Inhaúma, vila 38, número 3, Conjunto Bento Ribeiro Dantas, conhecido como Fogo Cruzado. Ela conta que tem amigos que tinham salão de beleza e fecharam, e outros tiveram que se reinventar. Também lamenta as operações e tiroteios na Maré, os quais a impedem de trabalhar em alguns dias.
“Entender que você é um empreendedor é importante para que você conheça seu negócio, seu mercado atual, seu potencial e seu público. Isso vai fazer com que você seja reconhecido e seu empreendimento cresça”, afirma Dirlene Silva, sobre a necessidade de se reconhecer como empresário.
Outro empreendedor que se empenhou em ter seu próprio negócio no complexo da Maré, foi Cristiano Rodrigues Leite, 35 anos, dono da loja de artigos religiosos Oxóssi Ibó localizada na Vila do Pinheiro.
Leite conta que a vontade de empreender veio depois de trabalhar por dezessete anos em um restaurante.
“Já que é para morrer trabalhando para os outros, eu morro trabalhando pra mim”, afirma Cristiano, que diz que lidar com a intolerância religiosa e a resistência, além do tráfico, foram suas principais dificuldades e relata que, na favela, não se faz nada sem autorização, mas se alegra ao dizer que conseguiu abrir seu comércio.
As dificuldades de empreender na favela
O comerciante conta também que enfrenta dificuldades com os fornecedores, pois eles não entregam as mercadorias na loja por ser considerada uma área com risco de crime. Cristiano precisa buscar os produtos na entrada da Maré
Sobre a importância de valorizar os empreendedores locais a economista Dirlene Silva provoca:
“O empreendedorismo por si só faz girar a economia e, na favela, tem um papel ainda maior, pois além de fonte de renda para o empreendedor significa também dignificação de todo o tipo de trabalho, além do empoderamento social.
Por isto são tão importantes as associações locais de empreendedores, as feiras e, principalmente, a conscientização da importância de consumir os produtos e serviços da própria comunidade.
Por que comprar de grandes redes de lojas, dar dinheiro para quem já é rico, em vez de ajudar o amigo, o vizinho, o colega do bairro e ainda fortalecer a comunidade, dando visibilidade e voz?
Este questionamento é sempre importante e, como economista, sempre trago a reflexão do poder que o povo unido tem para efetuar mudanças da sociedade. Como diz o provérbio africano “Quer ir rápido, vá sozinho. Quer ir longe, vá acompanhado”.