ONG da periferia do Rio foca na capacitação de pessoas trans
A Capacitrans já formou mais de 200 pessoas trans em cursos de empreendedorismo e moda inclusiva
A Capacitrans é uma organização sem fins lucrativos, sediada em Santa Teresa, que tem o objetivo de capacitar para o mercado de trabalho pessoas trans, travestis e LGBIs. A ideia de um projeto social voltado para a formação profissional, começou quando Andréa Brasil, fundadora da Capacitrans, era proprietária de um salão de cabeleireiro na periferia da zona oeste do Rio de Janeiro. Ela chamava seus vizinhos, um público majoritariamente LGBTQIAP+, para apreender as técnicas de beleza.
Em 2016, após a participação de um curso em empreendedorismo pela fundação internacional Micro Rainbow, e no ano seguinte participando da aceleração na universidade particular Unisuam, no Rio, a estilista conseguiu desenhar um projeto que seria no futuro a Capacitrans.
Apenas em dezembro de 2018, que aconteceu o primeiro fomento real para impulsionar a proposta de realizar formações em moda e empreendedorismo, foi contemplada pelo edital das instituições Itaú e Mais Diversidade. Com o recurso do edital, começaram as primeiras turmas de forma muito modesta, realizadas numa pequena casa que Andréa Brasil morava. Na ocasião, para tornar o sonho realidade, ela contou com doações de dez cadeiras e um quadro para as aulas, proporcionada pelo Padre Júlio Coelho, padrinho da iniciativa e responsável pela Paróquia Anglicana São Lucas, em Copacabana.
Da amizade entre Andrea e o sacerdote surgiu a marca de vestes litúrgicas chamada "Transfigurações". Padre Júlio percebendo o talento de alunos e alunas da Capacitrans, decidiu expor as roupas exclusivas em seminários internacionais para o exterior. "As pessoas trans não são abraçadas pelas religiões, então, a partir do momento que ele [Padre Júlio] conhece a minha história, tem o interesse de me ajudar e conversar com os paroquianos para impulsionar as ações do projeto. O que mais me chamou a atenção foi que sempre existiu o respeito à liberdade de crenças ou não crenças, sem catequização e [eles] nunca impuseram nada para nós", explica Brasil.
No mesmo ano, ela contou com outros parceiros estratégicos para aulas acontecerem como o tradicional Grupo pela Vidda, no Centro do Rio, formando a turma ao longo de seis meses, com um total de 20 aprendizes - sendo: 5 de moda, 5 de modelagem e 10 de empreendedorismo. Dessa forma, com um trabalho totalmente voltado para o social, a ONG busca receber em seus programas de capacitação mulheres em situação de violência e população que se encontra em vulnerabilidade. Andrea Brasil, sobre a importância da organização diz, “é um trabalho de urgência. A população trans não pode esperar.”
Atualmente, com a chegada da pandemia, a Capacitrans precisou migrar as aulas para o virtual, sendo a formatura de forma online com os certificados entregues nas casas para evitar o contágio do coronavírus. Já no mês passado outro projeto está sendo viabilizado pela ONG. Outro desafio era conseguir arrecadações para cestas básicas.
A presidente da ONG conta que "as meninas que dependiam das ruas para trabalhar como profissionais do sexo, elas também começaram a sentir esse peso que não estava mais tendo a sustentabilidade financeira para elas. O que acontece é a nós somos as mais visadas para o trabalho sexual, e também somos as mais exterminadas no nosso país com requintes de crueldade," explica.
Capacitando e descobrindo talentos
Há dois anos, a iniciativa recebeu mais um edital público, o Elas na Moda sem Violência, fomento apoiado pelas instituições Fundo Elas e Laudes Fundation (Instituto C&A). A formação Transmulheridades na Moda e Sem Violência - Produção em Moda e Empreendedorismo, contou com oficinas de costura, modelagem e reaproveitamento de vestiários.
Lorranny Barbosa, moradora da favela do Jacarezinho, zona norte carioca, aluna na formação Transmulheridades, conheceu a formação por uma amiga incomum de Andrea Brasil, ela garante o quanto foi importante para seu crescimento pessoal e profissional. "Foi através da Capacitrans e da minha madre [apelido carinhoso dedicado a professora Angela Leclery] que aprendi desde a por uma agulha na máquina de costurar, a fazer uma peça perfeita. Para vocês terem noção as aulas foram tão maravilhosas, me dediquei, dei o melhor de mim, que no fim passei de aluna a professora por um período e foi simplesmente incrível."
Para quem participou das formações em moda e empreendedorismo, o objetivo é preparar para o mercado de trabalho e incentivar a abertura de um negócio social. Exatamente o que aconteceu com Lorrany, ao final do curso ela decidiu empreender através da L.Barbosa - Feminilidade na Moda. Trata-se de roupas de praia para todos os tipos de corpos. No verão, por semana as vendas chegam em média a 20 conjuntos, na qual são enviados para todo Brasil. A empreendedora ainda trabalha de carteira assinada para conciliar sua renda mensal. Lorrany, deixa um recado de estímulo para as pessoas trans e LGBIs, "se vocês tem um sonho, busquem estudem se joguem nos cursos, YouTube, workshop, mais façam. Não espere cair do céu pq do céu só vai cair chuva. Nada é impossível para quem tem um sonho e força de vontade."
A conscientização sobre direitos e empoderamento de pessoas trans e travestis do Rio de Janeiro – população que ainda nos dias atuais é alvo de estigmas, preconceitos e vítimas de violências, são as missões da organização. Em que já formou mais de 200 pessoas. Os conteúdos das aulas são variados como captação de recursos, redes sociais, corte e costura. Navegando pelos mares do cinema de guerrilha, o curso “Transformando no Audiovisual com Capacitrans”, acontece semanalmente no Rio de Janeiro e pretende entregar como produto final um documentário contando as vivências da população trans. Para saber mais e apoiar a Capacitrans, acesse o Instagram @capacitransrj.