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Representatividade é papo sério para comediante preto da Pavuna, no RJ

Morador da periferia da zona norte carioca, artista quer outras a outros como ele no palco

30 out 2023 - 05h00
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Felipe Ferreira comemorando 100 mil seguidores no Instagram. Agora são 200 mil, e ele quer mais fãs e comediantes periféricos em cena
Felipe Ferreira comemorando 100 mil seguidores no Instagram. Agora são 200 mil, e ele quer mais fãs e comediantes periféricos em cena
Foto: Divulgação

O preto Felipe Ferreira, cria da Pavuna, bairro periférico da zona norte do Rio de Janeiro, é um jovem comediante que coleciona quase 200 mil seguidores no Instagram e vem crescendo na cena de stand-up, que tem poucas pessoas como ele – se no palco provoca risos, fora dele discute seriamente a falta de representatividade no meio artístico em que atua.

“Não é muito comum um cara com meu perfil, com linguagem periférica. É atípico, então a galera abraça, sabe?”. Ele faz sucesso zombando de sua vivência enquanto morador da Pavuna. “Comecei a falar de coisas do cotidiano, foi natural o processo de falar do meu bairro.”

O artista valoriza a carreira artística e o empreendedorismo. Declara-se grato à comédia e, inevitavelmente, faz piada com “a parada que bota comida dentro da minha casa”. Como vários negócios periféricos, começou para ajudar a mãe, o pai e acabou conquistando a independência financeira, o que, infelizmente, não acontece com todos os empreendimentos das quebradas.

Hoje, não se vê fazendo outra coisa. A comédia o educou, ensinou a ter responsabilidade com o dinheiro, fez “aprender pra caramba. É a parada que está movendo minha vida, entendeu?”.

Inspirado em raros comediantes pretos

Felipe sentiu forte atração pela comédia por volta dos 17 anos, quando viu o comediante mineiro Thiago Carmona em um programa de televisão. “Foi o primeiro insight que eu tive, de falar caraca, tem um maluco pretão ali mané, falando de casamento, de família. E ele era muito engraçado.”

Morador do bairro da Pavuna, no Rio de Janeiro, o comediante Felipe Ferreira faz sucesso com piadas da comunidade, seus costumes e gírias
Morador do bairro da Pavuna, no Rio de Janeiro, o comediante Felipe Ferreira faz sucesso com piadas da comunidade, seus costumes e gírias
Foto: Divulgação

O mineiro se tornou referência, cuja representatividade ele entende cada vez mais. Outro comediante preto no qual se inspira, e teve oportunidade de conhecer, é Hélio de la Penã. “Acho gênio demais, é impressionante trabalhar com ele hoje em dia. É um bagulho muito foda.”

Essas inspirações e a necessidade de sobrevivência o fizeram começar a trabalhar com comédia em 2020. Havia visto outros shows, procurou entender como funcionavam. E arriscou as primeiras aparições, online.

Apesar da internet estar sendo freneticamente usada na pandemia, não deu muito certo. A coisa começou a engrenar logo depois, presencialmente, apesar da ferramenta virtual continuar servindo para expandir o trabalho.

Cotidiano do bairro é laboratório para comédia

No início da carreira, Felipe não fazia piadas da Pavuna. Falava da vida pessoal, da convivência com a mãe, de abordagens policiais. Começou a sair de sua bolha e chamar a atenção justamente ao tratar da Pavuna e suas peculiaridades.

Continuou usando muitas gírias, que acredita serem um diferencial. Elas também o deixam mais à vontade. Os fãs se identificam com o personagem e o identificam no bairro. Isso alimenta a relação com os moradores da Pavuna, fonte de criação.

O comediante Felipe Ferreira está feliz com o sucesso e a representatividade de um preto periférico nos palcos, mas sabe que não é suficiente
O comediante Felipe Ferreira está feliz com o sucesso e a representatividade de um preto periférico nos palcos, mas sabe que não é suficiente
Foto: Divulgação

“Muitas pessoas que hoje acompanham o meu trabalho, acompanham muito mais pelo reconhecimento, por ver que tem um cara ali que é mais ou menos do mesmo perfil delas. A gente troca, se relaciona. Acaba que isso vai pro show também.”

Representatividade é bom, mas representá-la é difícil

Felipe Ferreira sabe da sua representatividade, acha importante, mas tem críticas. “Eu não gosto muito dessa parada de tipo eu ser uma representatividade, porque como consequência disso vem um peso.” Qual peso?

O de saber que outras pessoas pretas e periféricas deveriam estar no palco. “Não deveria ser uma obrigatoriedade eu ser o único representante”. Ele quer ver comediantes como ele atuando, e quando não forem parecidas ou parecidos na cor, que venham de realidades semelhantes.

Felipe Ferreira, da Pavuna, se inspira em outros poucos humoristas negros, como Thiago Carmona e Hélio de la Peña
Felipe Ferreira, da Pavuna, se inspira em outros poucos humoristas negros, como Thiago Carmona e Hélio de la Peña
Foto: Divulgação

“Quanto mais gente, mais representados vamos nos sentir, mais acolhedor vai ser o ambiente. Eu ainda me sinto desbravando mundos, lugares que a gente nunca teve muito acesso.”

A questão é muito séria. “Eu falo de problemas dos anos 90. Parece que meu bairro parou no tempo, que o Rio de Janeiro parou no tempo. Eu estou falando de coisas que estão aí, mas é necessário falar porque a gente falando, vai que muda, né? É o único jeito da gente parar de fazer piada.”

ANF
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