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Com 4 incêndios em 10 anos, moradores vivem de esperança em SP

"Perdi a casa, perdi o emprego e graças a Deus não perdi a vida. Mas é aguentar muito descaso, já é o quinto incêndio na comunidade", diz moradora

10 ago 2022 - 18h39
(atualizado em 12/8/2022 às 17h42)
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Casa destruída após incêndio no Morro do Piolho, zona sul de São Paulo @Arquivo Pessoal
Casa destruída após incêndio no Morro do Piolho, zona sul de São Paulo @Arquivo Pessoal
Foto: Agência Mural

Desde o último 9 de julho, a auxiliar de limpeza Sidnai Santos Batista, 42, mora de favor após perder a casa pela segunda vez no Morro do Piolho, favela da região do Campo Belo, na zona sul de São Paulo, quando um novo incêndio atingiu o local.

"Eu morava em um barraco, minha filha com meus netos num barraco de um lado e meu outro filho do outro. Estamos a família inteira desabrigada ficando de favor", explica.

Correr atrás de doações, materiais de construção e mantimentos tem sido a rotina de moradores desde o último incêndio, no início de julho. Mais de 120 moradias foram afetadas pelo fogo na região que tem um histórico de quatro incêndios nos últimos dez anos.

Segundo nota da Sehab (Secretaria Municipal de Habitação), foi iniciado o pagamento do auxílio mudança no valor de R$ 800 para as famílias da comunidade do Piolho, que foram afetadas diretamente pelo incêndio. A secretaria informou também que, até o momento, das 144 famílias identificadas, 82 já receberam o benefício.

Porém, esse valor começou a ser distribuído para quem já possuía o cadastro nos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) e, nos últimos dias, parte dos moradores tem se mobilizado para conseguir atendimento.

Sidnai é uma dessas pessoas. A auxiliar de limpeza até mesmo perdeu o emprego devido aos dias em que resolvia questões burocráticas depois do ocorrido. "Ainda estou com o destino incerto", conta ela.

"Me mandaram embora porque tive que correr atrás de doações, fazer cadastro perante a Defesa Civil, procurei o CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo] para um parecer. Eram muitas coisas para resolver, mas a empresa terceirizada, a Tersev, não queria saber."

Apesar das ações da prefeitura por meio da Sehab e também da Defesa Civil, os moradores questionam ações a longo prazo. "Vieram aqui fazer o cadastro na assistência social, teremos o auxílio, mas não sabemos até quando dura, nem eles sabem. Isso vai passar e depois acontece de novo", diz.

"Os moradores estão aqui há 30, 40 anos, passando por incêndios, esperando moradia digna e eles fingem que não existe favela aqui", completa a auxiliar de limpeza.

A comunidade conta com moradores que já viveram outros processos de desapropriação, inclusive de comunidades no entorno, como a do Buraco Quente e a do Comando, regiões onde as casas foram retiradas para a construção do monotrilho da linha 17-Ouro.

"Com as duas favelas, eram mais ou menos 400 famílias que estavam sendo impulsionadas a sair das residências para que pudessem fazer a obra do monotrilho", relembra Geilson Sampaio, 36, que viveu 20 anos na região e teve de deixar a casa. A obra não foi concluída, diferentemente das promessas.

Tudo começou em 2012, quando a obra fazia parte da Matriz de Responsabilidade da Copa do Mundo, devido à proximidade com o estádio do Morumbi, na zona oeste de São Paulo.

Em seguida, a Copa do Mundo foi transferida para a Arena Corinthians, em Itaquera, na zona leste da cidade. Mas a obra continuou.

"Nos deram duas opções: aceitar uma indenização com a somatória das benfeitorias das casas, que podia atingir até R$ 119 mil; ou então aceitar o auxílio aluguel e aguardar pela unidade habitacional [da CDHU], que seria construída há 10 anos e até hoje não foi entregue", explica Sampaio.

Para ter direito a essas propostas, os moradores tinham que comprovar até 10 anos de moradia na região. Mas, segundo Sampaio, nem todos conseguiram, pois tinham perdido documentos e registros em incêndios anteriores, tanto no Buraco Quente, quanto no Comando.

Além disso, ele conta que a lei de usucapião, que garante a propriedade para quem vive 15 anos seguidos em um terreno, não foi levada em conta.

"A favela já tinha mais de 50 anos, isso não foi considerado. E, hoje, temos por volta de 120 famílias aguardando a unidade habitacional que não saiu"

Geilson Sampaio, 36, viveu 20 anos na região e teve que deixar o local

Na época, a mãe de Geilson morava no Comando e optou pela indenização. Desde então, ele é um dos articuladores ao lado das famílias que esperam a saída do apartamento da CDHU. 

Dentre as famílias que optaram pela unidade habitacional, ele conta que parte delas está vivendo como dá. "São pessoas que estão tentando a vida em outro lugar. Tem gente que já passou por incêndio, saiu do Buraco Quente, foi para o Morro do Piolho e se depara com outros incêndios", comenta.

"E não adianta culpabilizar os moradores, porque não há perícia, não há investigação para saber se foi uma vela, se foi o gás. Mas se o próprio Estado não regulariza a energia, não dá condições de habitação, então ele é responsável e conivente", diz Sampaio.

Na década de 1980, crianças do Comando e do Buraco Quente fazem desfile no Dia da Independência @Arquivo / Centro Social Brooklin Paulista
Na década de 1980, crianças do Comando e do Buraco Quente fazem desfile no Dia da Independência @Arquivo / Centro Social Brooklin Paulista
Foto: Agência Mural

Enquanto isso, famílias como a da Sidnai tentam recomeçar. "Estou tentando arranjar bloco para subir uma casinha, porque a madeira o fogo leva tudo embora. Perdi a casa, perdi o emprego e graças a Deus não perdi a vida. Mas é aguentar muito descaso, já é o quinto incêndio na comunidade. A moradia é nosso sonho, não moro em barraco porque eu quero, é porque eu necessito".

A comunidade tem se organizado diante do cenário para auxiliar as famílias afetadas. O Kabuto, projeto de artes marciais, está arrecadando fundos através de uma vaquinha para tentar construir a casa dos alunos atingidos pelo incêndio.

Em nota, a Sehab informa que, após o incêndio, as ações de zeladoria com limpeza e desobstrução no local afetado foram realizadas pela Subprefeitura Santo Amaro, que também organizou uma Campanha do Agasalho, na qual a administração regional fez doações de roupas e calçados às famílias atingidas.

Além disso, a partir da liberação da Defesa Civil, a equipe da CPAS (Coordenação de Pronto Atendimento Social), da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, cadastrou 177 famílias, que receberam itens de primeira necessidade. Ao todo foram distribuídos 693 colchões, 688 cobertores, 247 cestas básicas, 247 kits de limpeza e 694 kits de higiene.

O secretário municipal de habitação, João Farias, retornou ao local no dia 9 de julho, juntamente com as equipes técnicas de social, projeto de obras e regularização fundiária, para dialogar e apresentar a proposta de urbanização e construção de unidades na área, com o intuito de atender as demandas dos moradores.

A pasta está refazendo projetos para que possam contemplar as sugestões trazidas pelos moradores no último encontro.

Foto: Agência Mural
Agência Mural
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