Alunos fazem maquetes de favelas e mudam rotina escolar no RJ
Mais de 350 estudantes reproduziram 50 comunidades em miniaturas de papelão e outros materiais. Até os pais se envolveram
Professor de artes realizou projeto na Escola Municipal Telêmaco Gonçalves Maia, na Pavuna, zona norte do Rio de Janeiro. Estudantes moram em favelas vizinhas e usaram materiais recicláveis nas maquetes. Elas foram produzidas depois de processo de pesquisa, escrita e debates.
O professor Tarcísio Gonçalves Barbosa Pêgo, 30 anos, responsável por disciplinas de artes na Escola Municipal Telêmaco Gonçalves Maia, na Pavuna, zona norte do Rio de Janeiro, realizou um projeto de maquetes das favelas vizinhas, de onde vêm a maioria dos estudantes, e alterou positivamente o cotidiano escolar.
Mineiro de Teófilo Otoni, o professor é formado em dança pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e concluiu o mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) neste mês de agosto.
Docente temporário, Tarcísio propôs a construção de maquetes como finalização de um processo de pesquisa e compreensão dos estudantes sobre seus corpos e espaços de convivência. Ao menos 350 alunas e alunos do sétimo, oitavo e nono anos participaram.
“Teve pai chegando de moto trazendo filho e maquete. Todo dia chegavam mais. A secretaria ficou cheia, arrumamos uma sala e agora as maquetes estão no pátio”, conta o professor. O resultado do trabalho de dois meses tem repercussões em vários níveis.
Mostra que a escola pública pode ser interessante; que o aprendizado constrói pertencimento; que familiares podem participar do cotidiano escolar; e que estudantes de outras séries, que não fizeram as maquetes, querem fazer.
Pesquisa individual para construção coletiva de maquetes
A maioria dos estudantes da Escola Municipal Telêmaco Gonçalves Maia vem de comunidades como Morro de Pedreira e Costa Barros. Ouvindo alunos e funcionários, o professor teve a ideia.
Propôs a atividade em etapas, individualmente, com a construção das maquetes ao final, em grupos. Estudantes começaram pesquisando quem é a pessoa que dá nome à escola, escreveram sobre suas vidas, comunidades e sonhos.
Discutiram favelas, incluindo as palavras que mais associavam aos locais. As principais foram “barricada”, “tiroteio”, “biquini”, “funk”, “igreja evangélica”. Escreveram sobre cinco artistas que conheciam (Anitta e MC Cabelinho despontaram, entre outros), e mais cinco desconhecidos. “Mostrei Elza Soares para eles”, conta Tarcísio.
Estudantes também viram vídeos sobre surgimento de comunidades enquanto, na disciplina de História, outro professor tratava da Guerra de Canudos, que tem conexão direta com as favelas do Rio de Janeiro.
Maquetes mudam cotidiano escolar
A ideia era não gastar para produzir as maquetes. Qualquer material seria possível. Quem não tinha canetinha, usou lápis de cor; na falta de isopor, papelão. “Os melhores trabalhos foram feitos somente com papelão, criou quase que uma linguagem”, conta o professor.
Além de papelão, surgiram outras soluções recicláveis, como palitos de picolé virando telhados. Com as maquetes prontas, começou o movimento. Pessoal administrativo, da secretaria, além dos alunos, começaram a visitar as maquetes.
Foram colocados dois bancos diante dos trabalhos, para observação atenciosa. “Inspetores falavam que estava parecendo Rocinha, outros associavam à Maré”, diz o professor.
“Eu me realizo quando o aluno fala que eu sou uma relíquia. Eu não queria ser como muitos dos professores que eu tive, só como alguns”, finaliza.