Bicicletas rodam 1.300 km contra chuvas e enchentes na periferia de SP
Projeto acontece na zona leste, na região do Jardim Lapenna, quebrada na várzea do rio Tietê, que sempre alaga no verão
Bike Som tem mulheres rodando cinco horas por dia durante a semana para fazer alertas climáticos e conscientização ambiental. Também convoca moradores para reuniões do bairro, faz propaganda de comércios locais, divulga literatura e distribui alimentos das hortas comunitárias. Projeto acontece na região de São Miguel Paulista.
Esqueça a previsão do tempo com mapas e gráficos animados na televisão. No extremo da zona leste paulistana, quem alerta para chuvas, enchentes e problemas climáticos é a Bike Som, bicicleta cargueira com uma caixa de som transitando por becos e vielas de terra e lama. Somente neste ano, percorreu 1.300 quilômetros.
Trata-se de uma das atividades da Ciclolog, que também distribui livros, verduras e legumes de hortas comunitárias. Diante da crise ambiental e das chuvas de verão, a Bike Som veicula alertas, orientações de como evacuar nas enchentes, faz propaganda do comércio local, convoca para reuniões na região do córrego do Jacuí, entre outras atividades.
“Deixe os documentos importantes protegidos em locais altos e de fácil acesso para pegar em uma possível evacuação”, diz a mensagem sonora da Ciclo Ambiental Rádio Favela. Duas bicicletas pilotadas por mulheres da região, a maioria pretas, percorrem o Jardim Lapenna, Vila Nair, Gabi, além do Baixo Lapenna, a última área ocupada do território. “É a quebrada das quebradas”, diz Everton da Silva Oliveira, coordenador do projeto.
As bicicletas circulam cinco horas por dia, durante a semana. “A gente conscientiza, ensina, não sabíamos o que era racismo ambiental. Quando eu não passo, o pessoal pergunta. Virou corriqueiro, falamos a língua da comunidade, eles se sentem pertencentes, querem precisam e gostam”, diz Gisele Fernanda Amâncio da Silva, divulgadora da Bike Som.
É tipo rádio, mas com linguagem e pautas da quebrada
Os 1.300 quilômetros percorridos em 2024 pelas bicicletas do projeto deixaram de emitir 2.184 toneladas de gás carbônico, na comparação com um carro. “Não falamos somente sobre o clima. Vamos nas escolas, chamamos moradores para discutirem problemas da comunidade, é de extrema importância”, diz Maria Edilene Guimarães Roque, divulgadora.
Uma das atividades é o chamamento mensal para a reunião do Plano de Bairro, mobilização que trouxe conquistas para a quebrada, como obras de infraestrutura. “Eu adoro, traz vários assuntos e notícias, como enchentes e mudanças climáticas”, diz Maria Clara Roque dos Santos, de 10 anos, do Jardim Lapenna.
Nathalia Gonçalves de Souza, moradora do Lapenna de Baixo, perdeu tudo em enchentes, sem saber o que responder ao filho diante da tragédia. Segundo ela, o potencial da Bike Som é o mesmo do rádio, mas com linguagem e pautas da comunidade. “A informação vem até você. Eles passam, orientam, a gente escuta e não precisa parar de fazer as coisas em casa”.
Dados positivos contra a crise climática
A Ciclolog era um coletivo que virou negócio de comunicação ciclologística sustentável e periférica. A postura sustentável começa no próprio projeto, incluindo mulheres do território, com remuneração e horas de trabalho dignas.
Os relatórios de prestação de contas mostram dados relevantes. Atuando na região de São Miguel Paulista, a Bike Som percorreu 1.650 quilômetros em 2023, distância registrada pelo aplicativo Strava.
A Bike Literária, que começou na pandemia emprestando livros da biblioteca do Galpão ZL, já entregou mais de 3 mil livros. A pessoa interessada manda uma mensagem de WhatsApp, o entregador leva e depois recolhe as obras.
Neste ano, distribuíram a biografia em quadrinhos do padre Ticão, importante liderança comunitária da zona leste, que morreu em 2021.
A Bike Horta, que recolhe e distribui legumes e verduras de cultivos comunitários da região, além de trabalhar com compostagem, percorreu a maior distância entre os projetos da Ciclolog até agora: 7.800 quilômetros.