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Como a tecnologia é herança de família em favela de Salvador

Inspirado na paixão do pai, jovem periférico que está prestes a se formar em Engenharia Elétrica leva conhecimento para as favelas

20 jul 2022 - 05h00
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A tecnologia é um conhecimento que pode transformar a vida de muitas pessoas, principalmente nas favelas brasileiras. Nelas, alguns jovens tentam buscar formas de ingressar em carreiras acadêmicas e até mesmo trabalhar em áreas tecnológicas, mas com apoio familiar os caminhos ganham mais possibilidades de conquistas.

Um exemplo de incentivo familiar vem da capital baiana. O jovem Caléo Meneses Santos, de 22 anos, recebeu desde novo incentivo do pai para que entrasse em uma universidade e trabalhasse com tecnologia.

“Hoje em dia é comum ver uma criança mexendo em um celular, que é nada mais que um computador de bolso. Contudo, quando eu era criança, o conhecimento era mais escasso e as tecnologias menos acessíveis, principalmente para pessoas negras e periféricas. Se não fosse meu pai, José Cleiton, imagino que mesmo tendo interesse, talvez eu não tivesse essa prioridade e acabasse deixando esse conhecimento de lado”, conta Caléo, que é morador do Vale dos Lagos, em Salvador.

Caléo cursa o nono semestre de Engenharia Elétrica, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele lembra que aprender sobre computadores era bem empolgante, pois desde criança assistia filmes de ficção científica com o pai, e ambos se divertiam.

“Nesses filmes futuristas algum cientista conseguia inventar um programa de computador com inteligência artificial que falava por conta própria e fazia coisas semelhantes aos humanos. Dessa forma, sempre foi costume entre mim e meu pai ficar imaginando como poderíamos fazer uma programação no computador para atingir esse objetivo. A tecnologia, dessa forma virou, além de estudo, um hobby. Portanto, era fomentado uma verdadeira veia criativa e inspiracional em minha vida. Foi com esse mesmo intuito que a gente começou a mexer com uma linguagem de programação Pascal. Tudo sem compromisso, mas realmente era um momento de pai e filho”, lembra.

Caléo Meneses Santos.
Caléo Meneses Santos.
Foto: Acervo Pessoal.

Além de estudar, o jovem é desenvolvedor de software em inteligência artificial. Ele trabalha com desenvolvimento de modelos em maquinas de aprendizado e inteligência artificial, uma área que envolve programação e análise de dados com o objetivo de construir softwares que possam aprender a resolver sozinhos contratempos complexos ou identificar padrões. 

Caléo Santos é um jovem negro, idealista e cheio de sonhos que gostaria de transformar a vida das pessoas que ama. A tecnologia nasceu em sua vida com ajuda do pai, enquanto mexiam em computadores na infância.“Meu pai sempre foi fascinado por tecnologia. Ele trabalhava em uma escola, consertava e utilizava os computadores. Ele já sabia usar as máquinas mesmo sem grandes conhecimentos. Ele me ensinava tudo. Para mim era uma diversão, desde alguns joguinhos que tinham na época até coisas mais formais, como ficar mexendo em planilhas no Microsoft Excel”, diz.

Ele fala sobre como desde jovem, o pai buscava intensamente conhecimentos sobre tecnologia, mesmo com as dificuldades da época. “Sei que muitos problemas atravessaram a vida dele, principalmente o racismo estrutural do nosso país que o impediu de se desenvolver mais ainda nessa área. Então, quando o vejo buscando incessantemente esse tipo de conhecimento e mantendo acesa a vocação que ele sempre teve, é muito gratificante. Vê-lo trabalhar na área de vocação, será um sonho”, conta emocionado.

E como Caléo Santos estava cada vez mais gostando de aprender sobre tecnologia, ele explica que buscou mais conhecimentos através da educação para ter oportunidades na vida e poder ajudar a família. “Eu estudei no curso técnico de Automação Industrial no Instituto Federal da Bahia (IFBA), com o objetivo de ter um ensino de qualidade e já possuir esse contato com o ensino de tecnologia. Lá, eu tive inúmeras experiências na área de robótica, programação e tecnologia, o que me deu certeza de seguir para essa área e adentrar no curso superior de Engenharia Elétrica”, diz.

Com muitos conhecimentos da área, o jovem percebe que a tecnologia pode resolver diversos obstáculos pontuais nas comunidades. “Eu sei que não faltam ideias inovadoras para ser implementadas pelos jovens das comunidades, no entanto o que precisamos é estabelecer nossa rede de apoio comunitária para ajudar as pessoas que tem interesse nessa área, para que elas possam dar o retorno para as pessoas ao seu redor”. 

Caléo Meneses Santos.
Caléo Meneses Santos.
Foto: Acervo Pessoal.

Embora o estudante acredite que a educação ainda é o melhor benefício que a tecnologia possa trazer, ele diz que muitos jovens ainda não têm acesso à informação. “Já conversei com alguns jovens em escolas estaduais aqui em Salvador sobre canais no YouTube de ciências e divulgação científica, me espantou como eles não conheciam ou não sabiam da possibilidade de estudar na plataforma de vídeo. Isso demonstra que o conhecimento sobre como utilizar essas ferramentas ainda não está chegando nas favelas. Acredito que com a ajuda das escolas e os "experts" em nossa comunidade, podemos ensinar a todos como usar nossas melhores ferramentas”, afirma.

Ele tem esperança que os jovens da periferia podem ter acesso a tecnologia com um trabalho coletivo, pois só assim as comunidades podem adquirir essas tecnologias e fornece-las de forma comunitária em escolas ou centros comunitários, diminuindo o esforço necessário para se alcançar essas ferramentas. “Eu sonho que o desenvolvimento da tecnologia possa sanar todas as dificuldades e trabalhos árduos da nossa vida, deixando espaço e tempo para as coisas que realmente importam, como passar mais tempo com nossos amigos e família”, destaca.

Caléo e seu Pai, José Cleiton.
Caléo e seu Pai, José Cleiton.
Foto: Simone Meneses Santos.

Ele diz que a família, namorada e amigos sempre o apoiou para seguir no caminho da tecnologia e, manda uma mensagem para o pai. “Ao meu pai gostaria de dizer para nunca desistir de buscar a verdadeira vocação, por mais obstáculos e desvios que possam aparecer no caminho.  Nunca será tarde para a gente perseguir o que a gente gosta, pois enquanto vivos, somos os únicos representantes do nosso sonho na Terra”, diz.

Apoio do filho

A relação de Caléo Meneses com o pai, José Cleiton Cerqueira Santos, 47 anos, foi sempre bem próxima, ainda mais com a paixão de ambos pela tecnologia.

José Cleiton revela que sempre influenciou o filho na área de inteligência, já que o aconselhava a fazer o curso de engenharia elétrica, o qual possibilita uma maior amplitude de escolhas dentro da tecnologia. “Meu filho entrou no IFBA e depois foi para UFBA fazer o curso de engenharia elétrica. Eu dizia para ele, ‘olha meu filho, a área de programação é muito boa’. A gente sempre conversa sobre inteligência artificial e ficção científica. Na pandemia, a gente tomou o curso de programação web e como ele já estava cursando engenharia, rapidamente começou a trabalhar na área. Agora quem está tentando entrar sou eu, por meio de um curso o qual estou participando”, conta entusiasmado.

José Cleiton Cerqueira, Pai de Caléo.
José Cleiton Cerqueira, Pai de Caléo.
Foto: Acervo Pessoal.

Santos faz questão de ressaltar que tem muito orgulho do filho, que é negro e pobre, o qual trabalha com tecnologia na área de inteligência Artificial. “Eu me sinto muito orgulhoso, porque eu sempre quis isso quando era jovem. Quando estou nas aulas do curso de tecnologia faço questão de falar que o meu filho trabalha com tecnologia. Eu sempre faço questão de mostrar que ele trabalha na área de Inteligência Artificial e por ele ser um jovem negro e pobre, isso é um orgulho muito grande para mim”, diz emocionado.

Ele diz que sempre influenciou no filho, no entanto a mudança de carreira foi motivada por influência dele. “Eu sempre motivei o meu filho a entrar nessa área, e agora é ele que está me ajudando nessa tomada de decisão de mudança de carreira. Isto é, deixei de ser motorista de aplicativo para me dedicar a um curso intensivo de programação. Toda essa mudança, por causa de meu filho. É ele que me apoia e me dá toda força, é ele que hoje com o trabalho está me ajudando a trilhar essa carreira.”, destaca.

O pai do jovem é uma pessoa que sempre foi apaixonado por tecnologia e diz que quando era mais novo fez um curso técnico em processamento de dados, apesar disso, não teve muita oportunidade de trabalhar devido ao racismo, o que o fez deixar o sonho de lado e tentar outras profissões, como motorista de aplicativo. “Quando jovem fiz um curso técnico em processamento de dados, porém não tive muita oportunidade de colocar em prática os meus conhecimentos tecnológicos por causa do racismo. Na época, tentei ingressar na carreira e muitas vezes tive portas batidas, porque como alguns me disseram, eu não tinha a ‘cara’ da empresa”, lamenta.

Com esses problemas, ele decidiu cuidar da própria vida e procurou outras oportunidades de trabalho, como motorista. “O tempo passou e a tecnologia foi avançando e tudo que eu aprendi ficou obsoleto, entretanto sempre gostei desse campo da ciência. Sempre fui apaixonado, tanto que gostava de investir o meu dinheiro com os melhores vídeos games, celulares, entre outros”, conta.

José Cleiton relembra que as dificuldades que teve na época foi a presença do preconceito racial, todavia acredita que nos tempos de hoje essa problemática está diminuindo. Ele tem esperanças de trabalhar com tecnologia até o fim deste ano. “O aprendizado está sendo muito difícil, mas graças a Deus já aprendi muita coisa, inclusive sobre Inteligência Artificial. Eu tenho muita esperança que até o final do ano estarei trabalhando, colocando em prática todo o meu conhecimento”, afirma.

José Cleiton revela que tem o sonho de tornar-se professor de tecnologia, ensinando a quem precisa, principalmente a jovens negros e pobres. “Eu tenho vontade de me tornar professor, nem que seja em uma ONG. Eu quero ensinar jovens que tenham dificuldades financeiras, principalmente jovens negros. Eu tenho vontade de ensinar pessoas que queiram aprender e não tenham tantas condições financeiras para pagar”, destaca.

Sobre o filho, ele diz orgulhoso, “Que ele continue seguindo em frente e não se contente com o mínimo. Além disso, que ele sempre ajude os jovens negros. Eu sempre digo a ele para ajudar jovens negros e periféricos. Espero que ele sempre esteja preparado para agarrar as oportunidades que aparecer”, finaliza.

ANF
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