O CEP aumenta e dificulta a caminhada do universitário até o TCC
Alunos da periferia carregam consigo marcas de uma desigualdade social histórica que, muitas vezes, dificulta a conclusão de uma graduação
O trabalho de conclusão de curso (TCC) é o grande momento da carreira acadêmica para um estudante de nível superior. O aluno se dispõe, debruça e pesquisa inúmeras referências bibliográficas que darão norte à sua construção e o aproximarão da sua proposta.
Entretanto, nem todos universitários tem boas experiências sobre esse período, que deveria ser sobre conquista, aprendizado, troca entre estudantes, orientadores e banca avaliadora. Em alguns casos, os alunos são penalizados de maneiras que deixam marcas para toda vida.
Alunos de periferias carregam consigo marcas de uma desigualdade social histórica. Muitos deles levam na bagagem o peso e a responsabilidade de ser o primeiro da família a acessar o ensino superior. Essas cicatrizes, muitas vezes são reabertas no dia a dia, e isso pode afetar a produção e conclusão do TCC.
“Não fui o primeiro da minha família a entrar numa universidade, mas fui o primeiro da minha casa. Realmente tem essa pressão, a cobrança, às vezes a gente vem de um outro contexto também. Como muitos, fui criado apenas pela minha mãe, sem uma presença paterno, então quando o indivíduo vem de um cenário de escassez de um cenário de condicionamento, você cresce com uma série de transtornos”, conta Caio Batista, de 23 anos, recém-formado em Comunicação Social, morador do Bairro de Canabrava, em Salvador.
Relatos como o de Caio, apenas comprovam que jovens da periferia são obrigados a mudar de vida, tendo que submeter-se a diversos sacrifícios que acabam colidindo com a vida acadêmica. Não ter determinado suporte, seja financeiro ou emocional, faz com que alunos que se encontram em situação de vulnerabilidade social tenham mais dificuldades no momento de desenvolvimento e conclusão de uma graduação.
“Você cresce com uma série de missões que precisa desempenhar, que precisa cumprir, senão em sua vida não vai dar certo. Então as vezes você cresce sem pai e para mudar a vida de sua mãe vai precisar se submeter a uma série de sacrifícios e de concessões. Você abre mão da sua vida para conseguir uma formação e emprego. Tudo isso somado à insegurança”, relata Caio Batista.
De acordo com o jornalista, mestre e especialista em Ética, Educação e Cidadania, Diego Luz, essa vulnerabilidade social é um assunto que precisa de cuidado ao ser abordado, pois o jovem periférico vai tê-la consigo durante toda a vida acadêmica. “A vulnerabilidade social é um ponto bastante delicado quando se trata da questão do aluno universitário da periferia. Ele vai ter na verdade durante sua vida acadêmica uma grande dificuldade própria da escola, no colégio terá um apoio dos professores. Faltam professores de disciplinas específicas que são fundamentais na universidade, muitas vezes, esses jovens tem acesso à universidade, mas com diversas lacunas durante a vida acadêmica”, relata o mestre Diego Luz.
Integrando bancas de TCC há 8 anos, a jornalista, pedagoga e professora universitária Aline Pinto Luz, de Vitória da Conquista, na Bahia, acredita que a vulnerabilidade social dos estudantes universitários dificulta não só o momento de conclusão, mas perdura por toda a graduação.
“Essa é uma realidade do ensino superior no Brasil, tem algumas pesquisas que já falam sobre isso, principalmente no ensino privado. Então, não acontece apenas no trabalho de conclusão de curso, mas ao longo de todo o curso, o processo de vulnerabilidade social complexifica um pouco mais a permanência do aluno e a conclusão do próprio curso, porque esse aluno tem que estudar e trabalhar para custear os seus próprios estudos, sobrando menos tempo”, explica a pedagoga Aline Luz.
O medo da volta para casa em horários noturnos é um dos fatores que complica a caminhada do aluno periférico durante a sua graduação. Muitas vezes, é necessária uma logística mais complicada em relação ao transporte que afeta diretamente no bolso do estudante, sem contar os perigos da espera no ponto de ônibus tarde da noite, como é o caso do estudante de jornalismo do último semestre, Rafael de Santana, de 24 anos, morador da Mata Escura, bairro da periferia de Salvador.
“A dificuldade que passei durante esses três anos de faculdade, principalmente por ser morador de uma área periférica, além da locomoção, por meu bairro não ficar próximo de onde estudo, dependendo do horário do término da aula, tenho que encarar ônibus tarde da noite. Nunca aconteceu nada, mas convivo com esse receio, com esse medo de acontecer, por estar indo para um local que tenha possibilidades de assaltos, toques de recolher, falta de segurança e iluminação", relata o estudante Rafael.
O depoimento de Rafael representa a realidade que muitos estudantes da periferia passam diariamente. Em alguns momentos, não são tão bem compreendidas por professores ou até mesmo orientadores.
Em relação à forma de abordagem, o mestre e também orientador de trabalhos e projetos de conclusão de curso Diego Luz, relata que o orientador precisa entender e ter empatia por cada tipo de aluno. “Precisamos entender o aluno, precisa compreender a realidade desse aluno. Eu não posso começar uma orientação de TCC sem de fato entender o perfil do aluno que eu tenho na mão, quando eu compreendo esse perfil passo a compreender o quanto posso cobrar dele e auxiliá-lo a chegar mais longe”, ressaltou Diego Luz.