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Obra de Carolina Maria de Jesus é tema de livro de direito

18 advogadas, quase todas negras e de origem socioeconômica adversa, relacionam literatura a questões jurídicas

23 jun 2023 - 05h00
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No processo de crescente reconhecimento da amplitude da obra da escritora Carolina Maria de Jesus, sua literatura agora está relacionada a questões de direito por dezoito advogadas, a maioria negras, em coletânea incomum de artigos jurídicos.

A publicação é coordenada por Mônica Alexandre Santos, secretária-adjunta da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, primeira negra a integrar a direção da seccional fluminense.

Mônica Alexandre Santos, organizadora da coletânea de artigos jurídicos sobre a obra de Carolina Maria de Jesus
Mônica Alexandre Santos, organizadora da coletânea de artigos jurídicos sobre a obra de Carolina Maria de Jesus
Foto: Divulgação

Ela sempre estudou em escola pública e nunca ouviu falar de Carolina Maria de Jesus durante a formação. Conheceu a obra da escritora depois, “através da curiosidade em buscar referências de mulheres negras na literatura”.

Advogada há 30 anos, atua na área trabalhista. Integrou a chapa vencedora da eleição do ano passado na OAB-RJ. Eleita, iniciou reuniões de advogadas para discutir a obra de Carolina. 

“Claro que não é fácil. Sendo a primeira mulher preta conselheira, passei por várias coisas, primeiro porque a Ordem é um ambiente extremamente masculino. Mulheres advogadas são maioria, mas os homens têm o poder”, diz Mônica.

Coletânea começou com aquilombamento virtual

Antes de ser eleita conselheira da OAB-RJ, Mônica Alexandre Santos administrava um grupo de WhatsApp chamado Raízes, que reunia advogadas negras e estudantes. A ideia do livro relacionando Carolina Maria de Jesus ao direito começou a ser fomentada ali.

Vieram reuniões presenciais e virtuais até que, no final do ano passado, no âmbito da OAB-RJ, as advogadas decidiram produzir a obra jurídica dialogando com a literatura. Segundo Beatriz Silveira, uma das participantes, “a gente reforçava nosso aquilombamento”.

A advogada Beatriz Silveira escreveu sobre direito a moradia, um tema central de Carolina Maria de Jesus
A advogada Beatriz Silveira escreveu sobre direito a moradia, um tema central de Carolina Maria de Jesus
Foto: Divulgação

O trecho que a inspirou a escrever o artigo jurídico está no livro Casa de Alvenaria, na passagem em que Carolina Maria de Jesus afirma ter a sensação de, ao sair da favela, deixar seus irmãos se afogando no mar. “Era a sensação que eu tinha também”, conta Beatriz.

“A Carolina fala muito da falta de estrutura, da falta de acesso aos equipamentos de saúde, aos equipamentos de manutenção da dignidade do cidadão. Eu sempre associo isso à questão da moradia, as pessoas da periferia precisam de humanidade e dignidade”, resume.

Uma quilombola autora

Outra autora da coletânea é Ana Gleice dos Santos Reis, natural do Quilombo de Rios, em Cururupu, interior do Maranhão. Filha de mãe costureira e professora, e de pai pescador, veio para o Rio de Janeiro estudar. Sempre frequentou escola pública e, nela, nunca ouviu falar de Carolina Maria de Jesus.

Conheceu a escritora no grupo de mulheres da OAB-RJ. Em parceira com Fernanda Mata, escreveu sobre a aplicação dos direitos fundamentais nas comunidades, “demonstrando sua importância na vida das pessoas”.

A autora Ana Gleice dos Santos Reis, criada em um quilombo no Maranhão, não conheceu Carolina Maria de Jesus na escola
A autora Ana Gleice dos Santos Reis, criada em um quilombo no Maranhão, não conheceu Carolina Maria de Jesus na escola
Foto: Divulgação

Os livros "Casa de Alvenaria" e "Quarto de Despejo" inspiraram a advogada em passagens como “eu estava tonta de fome devido ter levantado muito cedo. Fiz mais café. Depois fui lavar as roupas na lagoa, pensando no departamento Estadual de Saúde que publicou no jornal que aqui na favela do Canindé há 160 casos positivos de doença do caramujo”.

Juridicamente, trata-se da violação do artigo 5º da Constituição, que garante o direito à vida, “o mais essencial dos direitos fundamentais”, aponta a advogada.

Quarto de Despejo e o direito à moradia

Assim como Ana Gleice dos Santos Reis, uma das mais novas autoras da coletânea "Trazendo Carolina Maria de Jesus para o Direito", a advogada Edmée Ribeiro Cardoso também é natural do Maranhão, com formação e atuação no Rio de Janeiro. Ela é a mais experiente das escritoras dos artigos jurídicos.

Aposentada, ainda atua. Foi a primeira mulher negra diretora de diversidade e igualdade racial do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB). Filha de alfaiate pai de 13 filhos, cursou Serviço Social, Comércio Exterior e Direito.

Edmée Ribeiro Cardoso inspirou em "Quarto de Despejo" para falar de um direito fundamental, moradia
Edmée Ribeiro Cardoso inspirou em "Quarto de Despejo" para falar de um direito fundamental, moradia
Foto: Divulgação

Edmée Cardoso conheceu Carolina Maria de Jesus no início dos anos 1960, quando cursava sua primeira faculdade, época em que a escritora foi descoberta e fez sucesso.

Inspirado em "Quarto de Despejo", o artigo de Edmée Ribeiro Cardoso trata de direito imobiliário, do “aspecto perverso da cidade de São Paulo, seu modelo de urbanização. Não foi pensada para o favelado uma outra forma de moradia, a não ser barraco. Moradia é um direito fundamental”.

Serviço

O próximo lançamento de "Trazendo Carolina Maria de Jesus para o Direito" será no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), no Rio de Janeiro, em 25 de julho, Dia das Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas.

Capa da coletânea, que tem versão impressa e digital
Capa da coletânea, que tem versão impressa e digital
Foto: Reprodução

A obra pode ser baixada em versão digital aqui

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