Quem era Pedro Henrique, ex-aluno do Colégio Bandeirantes, em SP?
Suicídio de bolsista, amplamente noticiado, não revelou quem era o jovem de 14 anos, morador da periferia de Osasco
Pedro Henrique Oliveira dos Santos viveu na Vila dos Remédios. A família mora em um conjunto habitacional popular próximo ao encontro dos rios Tietê e Pinheiros. O ex-aluno do Colégio Bandeirantes era estudioso e, dedicado aprendiz de música, adorava tocar violoncelo. Pretendia fazer faculdade como o irmão, que teve bolsa do mesmo Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (Ismart).
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“Preto, pobre, gay e periférico” identifica, mas não explica quem foi Pedro Henrique Oliveira dos Santos, de 14 anos, ex-aluno bolsista do Colégio Bandeirantes, na capital paulista.
Ele abreviou a própria vida em 12 de agosto de 2024, mas como viveu, do que gostava, quem é sua família, como é sua quebrada?
Pedro Henrique morava em um apartamento popular de dois quartos com o pai, a mãe e a irmã, um ano mais nova, além do irmão mais velho, de 21 anos, aluno de universidade pública de Economia.
Embora a família tenha vivido em Itapevi, desde criança Pedro foi criado na Vila dos Remédios, em Osasco. O nome do bairro se deve “à quantidade de ervas medicinais presentes no local”, explica Gustavo Vargas Osório Silva em pesquisa sobre a Vila dos Remédios, concluída em 2024 na Universidade de São Paulo (USP).
Um bairro de duas cidades
A Vila dos Remédios é uma quebrada histórica. Embora pertença a Osasco, fica do lado paulistano do encontro entre os rios Tietê e Pinheiros. Durante séculos, esteve ligada à capital paulista.
Com a emancipação de Osasco, em 1962, a Vila dos Remédios permaneceu parte da cidade, embora estivesse do lado paulistano, o que gera, até hoje, dificuldades de identificação e falas separatistas.
A partir da Praça dos Remédios, é possível entender a história de vida de Pedro Henrique. O conjunto habitacional onde ele viveu é próximo, assim como as escolas públicas em que estudou e a ONG onde aprendeu música, em frente ao ponto de ônibus para ir ao Colégio Bandeirantes.
Na esquina da Praça dos Remédios trabalha o vendedor de cachorro-quente Rogério Lima. “Quando me mostraram a foto, eu vi que conhecia. Ele passava aqui na esquina direto, identifiquei a mãe também. É uma coisa nojenta, tem que respeitar as pessoas. A gente se coloca no lugar, também tenho três filhos”, diz Lima.
Seu carrinho de lanches está a poucos metros do ponto do ônibus que Pedro Henrique passou a usar para ir ao Colégio Bandeirantes.
Só saía do apartamento para estudar, nas proximidades
Pedro era um menino caseiro, como os irmãos. Ficavam muito tempo no apartamento enquanto os pais trabalhavam. Gostavam de ler. Apesar das dificuldades, a mãe comprava livros regularmente. “Nossa estante está cheia de Machado de Assis”, diz o irmão Igor.
Pedro não gostava de futebol, e, no máximo, saía do apartamento para ir, com a irmã, ao parquinho do condomínio. Nos primeiros anos escolares, bastava atravessar a rua para chegar à escola, o Centro Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Professor Darcy Ribeiro.
A família não frequentava igreja. “Quanto a esse trecho, li a reportagem para minha mãe e ela pediu para destacar que, em casa, cada um tinha uma religião e que sempre foi um espaço aberto. Minha irmã, católica, e meu irmão se interessando pela umbanda. Ela sempre acompanhou os dois nesses espaços”, complementou o irmão Igor em mensagem de texto.
O descolamento regular mais distante que Pedro Henrique fazia na infância era menor do que um quilômetro. Por cinco anos, ele frequentou o Instituto Hatus, que oferece cursos de música na Vila dos Remédios, incluindo transporte próprio.
Quando concluiu o ensino fundamental, Pedro passou a estudar em escola pública próxima, vizinha à Ponte dos Remédios. Saídas para lugares mais distantes começaram somente em 2023, para o Colégio Bandeirantes, na Vila Mariana, 15 quilômetros de distância.
Aluno talentoso de música
Pedro Henrique viveu cinco anos decisivos de formação no Instituto Hatus, que atende 200 crianças e jovens, a única oportunidade gratuita de ensino musical na Vila dos Remédios.
Ele entrou aos oito anos de idade e passou por todas os corais, conforme foi crescendo. Só saiu, cinco anos depois, pela incompatibilidade de horário com o Colégio Bandeirantes.
Antes disso, aprendeu teoria musical e, no coral, fazia a difícil segunda voz. Estava aprendendo violoncelo, instrumento pelo qual era apaixonado.
Em um segundo comentário a esta reportagem, a mãe de Pedro complementou que “ele sempre pedia um violoncelo, mas eu nunca pude dar”.
A mãe ainda pediu para observar que “a música sempre foi presente” e que “desde cedo Pedro teve um gosto muito forte por Gal Costa e Rita Lee”.
Na ONG, ninguém imaginava a fatalidade
Dirigentes, funcionários, professores e alunos do Instituto Hatus dizem ter sido pegos de surpresa. Embora não frequentasse mais as aulas, Pedro estava presente na memória e visitava o local em apresentações da irmã.
Ela deixou recentemente a música para praticar vôlei. Quanto ao relacionamento dos dois, cujas idades são próximas, um ano de diferença, a mãe pede para acrescentar que “todas as noites eles fofocavam sobre o que estava acontecendo nos colégios”.
Coordenadores e professores conviveram com os irmãos, conhecem a família. “Ficamos tristes com a saída dele, chegamos a nos perguntar se era hora de sair”, lembra Kleber Silva, coordenador pedagógico.
O irmão mais velho frequentou a mesma ONG e a mãe foi voluntária no bazar. Os adesivos nos veículos do Instituto Hatus, feitos antes da morte de Pedro, mostram os rostos sorridentes dele e da irmã, além de outros alunos.
“Ele era magrinho, de estatura menor. No coral, ficava na primeira fila. Era uma criança muito participativa, aberta, aceitava tudo o que a gente propunha, fosse coreografia, aprender uma voz diferente, ter que interpretar. Ele segurava o naipe dele”, conta a coordenadora e professora Suelen Soares de Lima Luiz.
Volta da pandemia e bolsa no Colégio Bandeirantes
Mesmo durante a pandemia, com aulas remotas de música, Pedro Henrique e a irmã eram assíduos. De vez em quando, a mãe passava ao fundo da imagem, conferindo se estava tudo certo.
Em 2023, com a bolsa de estudos, “ele se despediu bonitinho, avisou todo mundo”, lembra Suelen.
O ponto de ônibus para ir ao Colégio Bandeirantes fica em frente à ONG. Na segunda-feira, 12 de agosto de 2024, Pedro Henrique saiu do apartamento, andou 650 metros e embarcou na linha 917H-10.
Após sua morte, pai e mãe continuam trabalhando. A mãe é faxineira na mesma escola pública onde a filha estuda. O pai, ainda mais quieto.
O tio de Pedro Henrique, que escreveu na internet sobre a morte do sobrinho, diz que assumiu a batalha contra o bullying como missão de vida.
Perguntado como a mãe está conseguindo trabalhar, Bruno de Paula, indignado, responde com outra pergunta: “E pobre tem escolha?”.