Da ponte pra lá: experiência de um favelado na Expo Favela
Correspondente de Guarulhos, na Grande SP, narra as vivências e desafios para chegar em um dos maiores eventos de empreendedorismo periférico
Confesso que nunca pisei na Vila Olímpia antes ou tive vontade de frequentar essas regiões conhecidas como as "mais nobres de São Paulo". Na real, fiquei intrigado ao ver a divulgação da Expo Favela, que rolou no último fim de semana. Nunca antes tinha visto um evento com tanta visibilidade sobre o meu povo negro e periférico.
Para muitos moradores de Guarulhos, são notórias as dificuldades do transporte público, principalmente para ir a outras regiões. Segui minha curiosidade e me lancei ao desafio: atravessar cerca de 65 km, do extremo norte da Grande São Paulo em direção à região sul da capital.
Meu primeiro passo foi jogar no Google Maps como chegar ao local e, como de costume, li a mensagem: "não foi possível calcular as rotas de transporte público ao destino escolhido". Se o Maps tivesse a habilidade de fala de um ser humano, sem dúvidas falaria: "eita tio, pra onde esse favelado tá querendo ir?".
Partiu
Após traçar as possíveis rotas na minha cabeça, das quais nem o Google Maps pôde me informar, me dei conta de que levaria 3h de transporte público até a Expo Favela - isso se a Dutra estivesse vazia. Preparei minha mochila um dia antes, com marmita, água, câmera, carregadores e, claro, uma playlist braba para essa viagem.
Ao som do álbum "Nada Como um Dia Após o Outro Dia", do Racionais MC's, fui atravessando várias quebradas de São Paulo, como Santos Dumont, Santa Edwiges, Santa Lídia, São Rafael, Vila Galvão, Vila Sabrina, Favela da Penha, entre outras.
É engraçado como me sinto em casa ao passar nesses bairros. Apesar dos costumes diferentes, a realidade é a "mema fita".
Chegando na estação Cidade Jardim, da linha 9-Esmeralda, após 2h e 40min, o cenário já era outro. Na minha cabeça só ecoava o Ice Blue cantando: "o mundo é diferente da ponte pra cá". Quanto mais eu ia, menos via os meus, mas segui firme na minha saga de conhecer o maior evento de empreendedorismo periférico de São Paulo.
Após sair da estação Vila Olímpia, notei que faltava muito até o WTC (World Trade Center), local onde ocorreria a feira de negócios. Inicialmente pensei em ir a pé, mas em seguida observei aquelas bikes por R$ 3,50, na qual eu poderia pedalar por 30 minutos. Não pensei duas vezes e aderi a mais um modal até chegar ao destino final.
Ocupamos
Após a minha longa saga entre os diversos modais de transporte, pisei pela primeira vez no WTC. Fiquei imaginando que, dentro das diversas gerações da minha família, possivelmente fui o único a visitar aquele espaço.
Apesar da desigualdade de São Paulo e dos desafios de um favelado ir para uma zona nobre, meus olhos se encheram d'água ao ver vários manos e minas ocupando aquele lugar. Era nítido o brilho nos olhos e aquele pensamento de "caramba, onde eu tô?".
Nasci e fui criado nas quebradas de Guarulhos, estava acostumado em ver majoritariamente pessoas negras nas favelas, mas fiquei sem palavras ao ver um espaço com uma representação racial tão volumosa. Talvez por não frequentar esses espaços nobres, ao ver meu povo ali, me enchi de alegria.
Se um dia alguém duvidou que a favela era potência, ali estava a prova. O espaço estava repleto de projetos inovadores que vieram das quebradas e pensados para os moradores delas
Os projetos iam desde um jogo de celular que buscava desenvolver habilidades socioemocionais até soluções de transporte público a nível nacional.
Minha missão no espaço era perguntar para os mais de 100 empreendedores das periferias de São Paulo se alguém era de Guarulhos. Queria muito ouvir a opinião de outro morador, sobre como ele chegou até lá. Infelizmente, não encontrei, mas estava ali conhecendo várias quebradas diferentes.
Nos três dias de evento (15, 16 e 17 de abril), pude ver inúmeros amigos empreendedores no local divulgando seus trampos. Consegui abraçar o Emicida, Celso Athayde, Preto Zezé, trocar ideia com o Dexter, ver o show da Margareth Menezes, entre várias outras atividades.
Não sou a favor da frase "a favela venceu". Alguns conseguiram chegar ali, assim como eu que, apesar das dificuldades, tive a oportunidade de pisar na região nobre de São Paulo. Mas ainda é exceção. Ocupemos e vamos continuar na luta por visibilidade.
Espero que a Expo Favela ecoe nossa voz potente, que há tanto tempo resiste. E parafraseando uma das falas do Celso Athayde que me marcou: "construímos um marco importante, mas temos a responsabilidade de levar todo nosso ensinamento para os que não puderam chegar até aqui".