Conheça as baladas periféricas que Anderson Silva frequentou
Cria do penúltimo bairro da zona norte, lutador ia às casas noturnas preferidas pelos jovens das quebradas nos anos 90
Preto periférico, morador da Barreirinha, zona norte de Curitiba, nos limites da capital paranaense, Anderson Silva e seus parceiros iam ao centro atrás daquilo que a quebrada não tinha, esporte e lazer. Segundo seus parceiros, o futuro campeão não bebia, não fumava e não arrumava briga. Chael Sonnen vai enfrentar um campeão que continua centrado.
Antes da fama, quando era somente um jovem negro do penúltimo bairro da zona norte de Curitiba, o Barreirinha, Anderson Silva frequentava pelo menos três das danceterias preferidas da juventude pobre da capital paranaense: Clube Abranches, Mustache e a mais famosa delas, a balada conhecida pelo número da rua, a 1250.
Nas quebradas como Barreirinha, onde Anderson Silva e seus parceiros moravam, não havia academia nem boates. Para treinar e dançar, o jeito era se deslocar para o centro da cidade, que, além das casas noturnas caras, tinha os rolês populares que reuniam jovens periféricos.
“A gente pegava ônibus, descia na frente, depois terminava, pega o ônibus de volta. A gente curtiu, né? A gente curtiu pra caramba, você não tem noção”, conta Wanderley Nunes Ferreira, o Senzala, parceiro de treinos e baladas de Anderson Silva nos anos 90.
Antes de se tornar “spider”, o lutador tinha um apelido bem brasileiro, “Do”. Fazia parte da “turma do Beco”, em referência à passagem entre seu bairro, o Barreirinha, e a avenida Anita Garibaldi. Os manos ficavam ali conversando, andando de skate.
Sociedade Abranches
Os tios de Anderson Silva, com quem foi criado, tinham um grupo de pagode, os Negrete. Tocavam na Sociedade Cultural Abranches, clube polonês fundado em 1910. A casa da família era próxima, dava para ir andando.
A partir da década de 1970, a Sociedade Abranches passou a investir em elementos típicos de clube, como canchas de futebol, tênis e piscinas, além de ganhar destaque por realizar saraus e festas de rock, que reuniam as famílias do bairro.
Era considerado o único clube noturno da zona norte. “Ele frequentava mais a Sociedade Abranches. Nunca vi o Anderson beber. Ele é esse poço de humildade, veio da humildade. Que eu vi, ele brigou só uma vez só fora da academia”, lembra Senzala.
Mustache
Os amigos da época são unânimes em garantir que o futuro campeão sempre foi centrado, não bebia, não fumava, nem arrumava briga. Mas os parceiros arrumavam.
“A gente se encontrava no Mustache, que era uma baladinha. Arrumamos uma briga com uma galera, o Anderson Silva entrou pra salvar a gente e levou uma porrada na nuca. Nocautearam ele na nossa frente”, conta Murilo David Bittencourt, outro companheiro de academia e baladas.
“Foi um episódio dos mais engraçados. Aí tivemos que salvar ele, batemos nos caras que bateram no Anderson Silva. Ele teve uma vida muito sofrida, ainda mais por ser negro, tinha discriminação maior, sofreu bastante, conquistou tudo na raça”, conta Bittencourt.
A danceteria 1250
A famosa danceteria 1250, que cobrava preços populares e reunia, em seu enorme salão, jovens de todas as quebradas da capital e Região Metropolitana, foi outro local frequentado por Anderson Silva, então na faixa dos vinte anos.
Localizada na Avenida Paraná no número que dava nome à casa, a 1250, ou simplesmente “a mil”, marcou a vida noturna de Curitiba nos anos 80 e 90. A chegada era facilitada pela via expressa de ônibus, que trazia e levava jovens sem carro de todos os cantos da cidade.
Sintonizada com o som ouvido pelos frequentadores, a 1250 promoveu shows de Thaíde e DJ Hum e Racionais MCs. O rapper Cipó conheceu Anderson Silva na danceteria.
Assim como milhares de jovens curitibanos e das cidades ao redor, Cipó se deslocava de Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba, até a 1250. Foi ali que conheceu Jamaica e os dois jovens pretos formaram, em 1997, o Consciência Suburbana, um dos mais importantes grupos de rap de Curitiba.
A periferia vai ao centro
Assim como a danceteria 1250, a academia onde Anderson Silva e seus parceiros treinavam ficava no centro de Curitiba. Para lutar e dançar, jovens vinham das periferias, carentes de equipamentos esportivos e de lazer.
Não aconteceu somente em Curitiba. Em São Paulo, a cultura hip hop deve muito ao centro da capital, como a emblemática estação São Bento do metrô ou as esquinas onde dançarinos como Nelson Triunfo começaram a mostrar a dança de rua.
“Conheci o Anderson Silva na academia do mestre Sergipe, era no centro. Todos os faixas pretas da época treinavam lá”, conta José de Abreu Santos, o Gonzo, parceiro de treinos e festas de Anderson Silva.
“Eu frequentava a casa dele, ele a minha. A casa dele era de material, morava ele, primos, tios, bastante gente, tinha mais de uma casa no terreno”, conta Gonzo. “A gente sempre saía junto, ia pra balada. A gente ia pro centro, o centro é a base”, finaliza.