Conheça Celo Martins, skatista que dá aula para crianças em SP
Um dos fundadores do Coletivo Love CT, o esportista dá aulas de skate para crianças de Cidade Tiradentes às terças, quintas e sábados
Ser skatista no Brasil e viver desse esporte como profissão nunca foi tarefa das mais fáceis. Mas, para quem enfrenta a dura realidade de periferias como as de São Paulo, sabe a revolução que um objeto de quatro rodinhas, um eixo de aço e uma prancha de madeira pode fazer. Marcelo Martins, 40, é uma dessas pessoas que enxergou o skate como ferramenta de inclusão e resgate para centenas de crianças e adolescentes de Cidade Tiradentes, bairro da zona leste da capital.
Praticante de diferentes modalidades esportivas como artes marciais, ciclismo, natação e futebol foi com o skate que Celo, como é conhecido entre os moradores de Cidade Tiradentes, se encontrou como um ser humano dotado da capacidade mais sublime da espécie: a solidariedade. Em 2010, depois do falecimento do irmão Mário, sua maior referência no skate, Celo se juntou a alguns amigos do bairro e criou o que ficou conhecido como Projeto Love CT Inclusão e Resgate Skateboarding, ou apenas coletivo Love CT.
Ao longo dos anos, o coletivo desenvolveu uma metodologia própria de ensino. Entretanto, para além da prática esportiva como instrumento de inclusão e resgate, as aulas oferecidas para as crianças também se tornaram um espaço de troca. “Para a gente, a Love CT é mais que um lugar onde a molecada vem andar de skate. Ocupamos um espaço que estava abandonado pelo poder público e fizemos desse, um lugar de afeto, acolhimento e verdade”, explicou Celo.
Atualmente, o coletivo atende a 40 alunos em aulas distribuídas às terças, quintas e sábados em frente ao CEU Inácio Monteiro, em Cidade Tiradentes. Além de exercícios práticos com o skate, as crianças ainda participam de aulas de violão, inglês, informática, literatura e juntos organizam o Sarau da Love CT. Eduarda Beatriz Andrade de Lima, 9, é uma das alunas que participa das aulas semanalmente sempre acompanhada do pai Paulo Sérgio Pereira de Andrade, 38.
“Ela nunca teve contato com skate, cara. Eu comecei a trazer a Eduarda aqui [Love CT] e conversamos sobre a importância do esporte e reforcei que se ela quiser seguir carreira como skatista terá todo o nosso apoio”, disse o pai orgulhoso. “Quando eu via as pessoas andando de skate eu achava interessante e passei a gostar, mesmo com medo eu chamava meu pai e ia treinar na pista pra evoluir cada vez mais”, completou a skatista mirim.
O ser humano Celo
Marcelo é o quarto e último fruto do casamento entre dois mineiros, um mecânico industrial e uma dona de casa. O caçula foi criado com os irmãos no bairro Conjunto Prestes Maia – que pertence ao distrito de Cidade Tiradentes. Segundo o esportista, o lar sempre foi de disciplina, mas, também, de muito amor e união. Uma das provas dessa harmonia pôde ser percebida quando, durante o velório de dois dos quatro filhos, dona Naly determinou o rumo da família dali em diante e o tamanho da fé que tinha.
“Quando o Mário faleceu, em 2010, minha mãe olhou para a minha cara, apontou o dedo e disse ‘não chora, porque essa é a vida, mas ela não acaba aqui’. Minha mãe falar isso foi meio que um ensinamento de fé, tá ligado? Já no velório do Márcio, em 2021, minha mãe falou olhando para mim ‘a gente vai sorrir, chorar, mas vamos continuar juntos’”, lembrou.
Celo é uma dessas figuras que se vê de longe, seja pela vasta cabeleira que ostenta no alto da cabeça, lembrando os skatistas dos anos 80, ou pelos quase 1,90 de altura que o deixa ainda mais em evidência. O esportista é casado com Jú Costa, artista plástica e muralista da zona leste. Juntos o casal tem três filhos, dois meninos e uma menina, sendo o mais velho fruto do primeiro casamento de Jú.
De acordo com Celo, conhecer a companheira em 2017 foi um dos motivos que o tirou de um momento de depressão. Pelo fato de Jú Costa ter uma vivência de desconstrução em relação aos dogmas impostos pela nossa sociedade, segundo o skatista, o encontro do casal preencheu o vazio que ele sentia de uma maneira muito especial.
“Quando eu conheci a Jú percebi que esse seria o meu rolê, porque as outras coisas não faziam sentido mais na minha vida. Fama, destaque, ostentação, nada disso fazia sentido mais para mim, mas a minha companheira preencheu com amor o meu peito e agora o sentido da minha vida é a minha família”, afirmou.
Criatividade e verdade
O espírito de comunidade e, consequentemente, coletividade que acompanhou o skatista por toda a vida, também fora carregado para a família que formou ao lado de Jú. A educação dos filhos é baseado no diálogo e na livre associação de ideias por meio da arte. Os filhos participaram ativamente da reforma que a casa passou recentemente e, para Celo, as paredes servem como um grande ateliê de criatividade para as crianças.
“Eles veem a gente fazendo as manutenções da casa, a Jú dando uma oficina no ateliê dela, eu pintando uma parede e querendo ou não, esse ambiente cria um lugar que conversa com a criatividade deles. Lá em casa as ideias são trocadas abertamente, tá ligado? Uma coisa que não faço é mentir para os meus filhos”, ressaltou.
Quem se senta para conversar com Marcelo por alguns minutos, percebe que diante do mundo está um ser humano sensível. Mas, acima de tudo, um pai responsável, um marido parceiro e uma pessoa preocupada em deixar para os filhos, e para as crianças do coletivo Love CT, um legado de liberdade.
“Assim como com os meus filhos, aqui na Love CT eu não quero que o aluno fique a vida toda fazendo aula comigo e eles sabem disso. Quero que daqui a pouco essas crianças estejam voando sozinhas, pois acredito que esse processo que envolve disciplina e skate seja libertador para eles”, finalizou.