Conheça mulheres que fazem o futebol na periferia de Guarulhos
No Jardim Munira, projeto social em que meninos predominam tem mulheres na fundação, administração e dentro de campo
Enquanto a seleção brasileira de futebol feminino disputa a Olimpíada de Paris 2024, mulheres e meninas realizam projeto social na periferia de Guarulhos, redefinindo os rumos do esporte para cerca de 80 alunos, única iniciativa do gênero no bairro. Na vida das crianças, o celular deu lugar à bola, e as redes sociais, à rede do gol, que vivem estufando.
A maior prova da organização das mulheres envolvidas na escolinha de futebol Flipper, no Jardim Munira, periferia de Guarulhos, é a rapidez com que se articularam para esta reportagem: em uma tarde, transmitiram contatos de mães e alunas, deram entrevistas, se reuniram para fotos e, para isso, acionaram a fotógrafa cujo sobrinho é aluno do projeto social.
Surgido há três meses e atendendo 80 alunos, em meio à maioria de meninos há meia dúzia de meninas destemidas. Fora de campo, mães, entre elas ex-futebolistas, administram o projeto, levam a trazem filhos e filhas de outas mães para os treinos e batalham por doações.
O surgimento do projeto social se deve à obstinação de Elaine dos Santos, 44 anos. Interessada em manter seu filho treinando, insistiu com o marido, ex-jogador de futebol, para iniciarem a escolinha. “Com um profissional dentro de casa, comecei a pôr pilha, provocava”.
“É maravilhoso ver as meninas em campo”
Com o marido convencido, o casal correu atrás e conseguiu autorização para usar a quadra da escola pública Vereador Gilmar Lopes, onde rolam treinos às terças e quintas à noite. Aos sábados de manhã, é no campo do Jardim Veloso.
Marcelo dos Santos, o marido, é o técnico. Elaine, envolvida há décadas com projetos sociais, administra. “Sou a pidona do projeto, mil e uma utilidades”.
Entre as ações, pechinchou e conseguiu comprar o uniforme do time com camiseta, calção e meião, “tudo de primeira”. O material, orçado em sete lojas, será distribuído em modesta cerimônia, em breve.
Segundo Elaine, “é maravilhoso ver as meninas em campo. A primeira vez que eu vi uma menina jogando, fiquei encantada. Era a Luiza, de nove anos, a menorzinha. Ela chegou toda equipada, com uniforme, chuteira, bola”.
Mariza, ex-jogadora, agora é coordenadora
Mariza da Silva Barros tem dois filhos, de oito e doze anos, na escolinha Flipper. Ex-jogadora, abraçou a causa. “É minha primeira vez, e como é uma coisa que eu amo muito, faço tudo”.
Isso significa providenciar lanches, fazer cadastros, fichas, anotações e correr atrás de patrocínios. Até agora, a Padaria Souza fornece os pães e Alemão Transportes leva e traz o time dos treinos aos sábados.
O projeto pretendia começar com 20 alunos, mas “estamos com uns oitenta, está difícil. Tem criança até sem tênis”. Apesar disso, Mariza está realizando um sonho interrompido.
Ela jogava futebol desde a infância em Garanhuns (PE). Mudou para Guarulhos, chegou ao Corinthians, mas uma lesão aos 19 anos tirou a atacante de campo. Agora, ela atua fora dele, e tem feito golaços.
Janaina, mãe da Isabela, de 11 anos
Janaina Ferreira dos Santos Barbosa também sonhava em ser jogadora de futebol. Vem de uma família de futebolistas. Praticou futebol e outros esportes desde o início da vida escolar. Não seguiu profissionalmente, “mas continuei jogando com os moleques”.
Ela é mãe de Isabela Ferreira dos Santos, 11 anos, atacante como a mãe. “O que me inspirou a jogar futebol foi o Cristiano Ronaldo. Eu acompanho muito ele, joga muito bem, eu queria jogar como ele”, diz Isabela.
Sua mãe ficou sabendo da escolinha no bairro pela mãe de outra aluna. “O ensino é melhor, porque é a raiz, pegam no pé. Sem dinheiro, o incentivo é o que conta”, diz Janaina.
Além de jogadora, a filha quer ser modelo. Ela acompanha futebol de perto, assiste tudo, e sobre a seleção feminina de futebol na Olimpíada, “espero que elas consigam pelo menos uma medalha”.
Carol, mãe da Emily
Carolina Cristina Rodrigues Silva, 32 anos, é pedagoga. Casada, palmeirense como o marido, proporciona oportunidades variadas à filha Emilly Pereira Rodrigues, 11 anos. A menina faz teatro, dança, toca violão e joga futebol.
“É para tirar um pouco das redes sociais, do celular”. Emilly é articulada e desinibida, joga entre os meninos da escolinha e na rua. “Ela cai pra dentro”, conta a mãe.
Quando ela não pode levar à filha aos treinos, a vizinha Mariza, coordenadora do projeto, leva.
“Arte sempre foi meu sonho”
Apesar do envolvimento futebolístico, Emilly tem uma paixão ainda maior. “Gosto muito de futebol, mas prefiro teatro. Me apaixonei”.
O curso despertou sua vocação dramatúrgica. Ela sabe o valor das atividades esportivas e artísticas. “Ajudou a sair do telefone, preciso decorar texto, me concentrar para aprender um lance em campo”.
Ela assiste futebol feminino, conhece a jogadora Marta, na escola a professora fala do assunto. Sobre a seleção brasileira na Olimpíada de Paris, “tudo é possível, mas é claro que estou torcendo pelo Brasil”.
Em tempo: o nome da escolinha, Flipper, homenageia o golfinho que protagoniza um filme de ação, aventura e superação. “Estamos no meio do nada, tentando lutar pela melhoria das nossas crianças, todo dia a gente vai se superando”, explica Elaine, cofundadora do projeto social.