Favela Radical: O esporte levado para as comunidades do Rio
Projeto sediado no morro do Turano, zona norte da cidade, busca democratizar o esporte e levar para a população das favelas cariocas
A cidade maravilhosa adora vender para o mundo as imagens monumentais das belezas naturais e geológicas, o estilo hedonista da prática de esportes à beira-mar e o cultivo saudável do corpo. Infelizmente, o usofruto de tais atividades está predominantemente restrito à parcela mais abastada e previlegiada da sociedade.
O público mais significativo deste segmento é a juventude. Enquanto, por um lado, a imagem do jovem do bairro de Ipanema está associado à praia e ao surfe, do outro, o jovem da favela, estigmatizado pela marginalidade. É isso que o projeto Favela Radical, sediado no morro do Turano, zona norte da cidade, quer mudar.
O uso desigual do esporte no Brasil
Em 2015 foi publicado o relatório "Práticas Esportivas e Atividades Físicas", da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que apontou que enquanto apenas 37,9% da população brasileira disse ter praticado alguma atividade física em um ano, 53,6% dos brasileiros entre 15 e 17 anos de idade realizaram estas atividades. Outro fator demarcador de população, é escolaridade, que expõe uma escala ascendente. Enquanto 28,4% dos praticantes tinham fundamental incompleto, 51,9%, superior completo. No tocante a renda, 32% dos que auferem até 1 salário mínimo mensal são praticantes, e 65,2% possem 5 salários mínimos ou mais mensais.
O cruzamento entre escolaridade com poder aquisitivo provém do vínculo entre o ascréscimo da educação formal a uma maior disponibilidade aos equipamentos e bens culturais. A ascenção nas escalas da pirâmide social é acompanhada, segundo o sociólgo francês Pierre Bourdieu em "A Distinção", pelo delineamento de "classes" de gosto, a distinção social no uso do corpo e a percepção deste com a ascepsia do conhecimento científico sobre sáude. Assim se formam hábitos de classe, como frenquentar clubes e atividades esportivas geralmente apropriadas em espaços privados e pagos.
O sociólogo brasileiro Jessé Souza, em "A 'ralé' brasileira: quem é e como vive", afirmou que "especialmente em sociedades periféricas como a brasileira, na qual uma considerável parcela de indivíduos situados à margem do sistema não consome e tampouco usufrui dos bens esportivos com vistas a auferir algum lucro de distinção a si próprios ou às posições que ocupam no espaço social, até porque esses agentes invisíveis no debate público e político brasileiro".
O Favela Radical
Jefferson Quirino é idealizador do Instituto Favela Radical, organização social sem fins lucrativos que oferece, desde 2017, aos jovens da comunidade do Turano, zona norte da cidade, a prática de esportes radicais, como o surf, skate e a escalda, tradicionalmente hegemonizada por jovens da classe média da zona sul da cidade.
Crianças e jovens do morro do Turano são convidados a uma jornada que transcende o circuito geográfico da cidade, como praias e montanhas de escalada, e inclui um aprendizado em como reapropriar os espaços então excluídos de sua aferição. E o esporte é um destes campos de exclusão na cidade, mais especificamente, o surf.
Cristiano Mezzaroba, doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em "Pertencimento a classe social e práticas sociais", alerta para a pouca atenção dada à atividade física por jovens de periferia e aponta que "muitos comportamentos adquiridos na infância e adolescência permanecem na fase adulta, sendo que os reflexos dessa dinâmica são claramente sentidos em escala global". O Instituto Favela Radical se preocupa justamente com crianças e jovens em idade de formação, e é este o legado para a vida destas crianças e jovens, que possam multiplicar a experiência para a comunidade e seus descendentes, reapropriando os espaços e desnaturalizando apartações.
Parceria com a sociedade
Jefferson, que tem parceria com a Gerando Falcões e empresas da inciativa privada, propõe um pacto social: "a sociedade precisa ser sócia da empresa e da realidade social. A favela não tem a receita pronta, nem o asfalto, mas se a gente juntar a expertise deles com a nossa expertise chegaremos a uma solução". E ainda inquere sobre a função social do capital privado,
- "Hoje, o mundo capitalista vive de um cliclo de consumo sem propósito. Qual o propósito de uma marca, só ganhar dinheiro? Muitas vezes as pessoas que trabalham nestas lojas, moram nas favelas. Qual retorno que elas têm? Elas entregam toda a mão de obra e qual o retorno social disso? O que elas estão entregando de fato?", questiona Jefferson.
O líder comunitário provoca, "o que você acha de vender uma marca e parte destes recursos serem investidos em desenvolvimento social, uma marca que esteja comprometida com os ODS, com o desenvolvimento da cidade? Não é mais doação hoje em dia, é participação social do lucro e não apenas baseado em leis de incentivo à cultura".
"O Brasil é o país onde tem a maior população negra no mundo. Só perde para a Nigéria que é na própria África. Agora, quando a gente olha para o surf, para a elite do surf, não tem um preto", protesta Gefferson Quirino.
Por outro lado, a favela também tem seus expertises a entregar para sociedade. O Favela Radical, para fazer esta ponte, também realiza cursos na área de robótica, programação computadores, inglês e psicoemocional, focando na qualificação e realocação profissional dos seus jovens.
"Quando eu olho para a tecnologia, estou além de tirar o jovem da criminalidade, porque o jovem do Turano também tem um potencial de crescimento, quando ele passa a ocupar outros tipos de cargos dentro das grandes companhias. Quando a gente fala de dar acesso à prática de esporte por essas crianças, estamos dando acesso ao talento que eles já tem. Uma oportunidade de transformação na vida dele, enquanto desenvolvimento social, ocupação de espaços, exportação das nossas culturas, das nossas tecnologias".