Jardim Peri, berço de Gabriel Jesus, faz do esporte um motor
Aumento de equipamentos públicos básicos, somado a iniciativas individuais e coletivas dos moradores, semeiam perspectivas de dias melhores
O distrito de Cachoeirinha, na zona norte da cidade de São Paulo, possui uma população de 146 mil pessoas, segundo dados de 2021 da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), com 43,3% de pretos, de acordo com o Mapa da Desigualdade 2021, da Rede Nossa São Paulo, que usou dados do IBGE de 2010.
A proporção é uma das mais altas da capital paulista, mais de 6% acima da média da cidade, que é de 37%. É no distrito de Cachoeirinha que está localizado o bairro Jardim Peri, conhecido por ser o berço de Gabriel Jesus, atualmente atacante do Arsenal, da Inglaterra, com passagens de destaque por Manchester City e Palmeiras.
Gabriel foi titular da seleção brasileira na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, e é nome certo na lista do técnico Tite para a Copa do Catar, que começa em novembro. Mas o Jardim Peri não faz nascer apenas esportistas de destaque, é um bairro de intensa produção artística, de onde vieram importantes compositores do funk, como Mc Livinho e Mc Lelê JP.
Foi justamente o esporte e a arte que deram ao taxista Jackson Martins, 37, uma nova chance e um propósito de vida, no seu caso, através da capoeira. “Sou nascido e criado no Jardim Peri, e foi o esporte que me resgatou na juventude, quando me envolvi com coisas erradas, usei drogas. Fiquei preso na Fundação Casa por 11 meses quando eu tinha 15 anos, e foi lá que conheci a capoeira, com o Mestre Belisco, da Zona Leste, do Grupo Guerreiro dos Palmares. Desde que saí eu continuei treinando, fui me estruturando, me ajudou muito. Me formei instrutor e comecei a dar aula”, conta.
O trabalho como instrutor logo fez nascer o desejo de levar a capoeira para jovens desassistidos, através de um projeto social que está completando 15 anos, desenvolvido sempre de maneira autônoma, sem apoio público. As aulas, nas segundas e sábados pela manhã, acontecem no Polo Ecocultural, dentro do Parque Alfredo Löfgren.
“Estamos expandindo, em breve vou começar um novo projeto na comunidade do Sucupira, onde o Gabriel Jesus foi criado. A gente precisa trabalhar e ocupar esses espaços, porque quando eu era novo, e o Gabriel Jesus é mais novo do que eu, nem existia a avenida nova, era tudo barraco de favela, essa parte do Polo era um clube dos oficiais, não era aberto para a comunidade”, explica.
Para Jackson, as melhorias que o Jardim Peri vem acumulando nos últimos anos não mudaram apenas a paisagem da comunidade, mas estão fomentando novas perspectivas de futuro aos jovens e crianças: “A gente não tinha acesso a esporte e lazer como hoje, na minha época não se via isso. Com mais equipamento público e trabalhos sociais, as novas gerações estão tendo mais oportunidades. Isso faz uma diferença grande”.
Muitos alunos que começaram ainda crianças no projeto tocado por Jackson hoje são adultos, inseridos no mercado de trabalho. Um orgulho que ele leva consigo como combustível para seguir adiante: “Faço isso por livre e espontânea vontade, em prol da saúde física e mental da comunidade. Quando você olha o mundo com um olhar de pai, de cuidador, você entende que tem um papel e um trabalho com a geração que está vindo. O importante é dar suporte, para que essas pessoas possam agregar como cidadãos, independente de ser um praticante de capoeira, mas que a capoeira seja uma agregadora para a cidadania.”
Futebol como inspiração para o futuro
No antebraço direito, Gabriel Jesus tatuou o bairro onde nasceu. Ele costuma afirmar que saiu do Peri, mas o Peri nunca saiu dele. O atacante é um orgulho para os moradores e inspiração para os mais jovens, que sonham em se tornar jogadores de futebol.
“O Gabriel está sempre por aqui, não é só quando tem televisão e cobertura da mídia, ele anda pelo bairro, brinca de bola, solta pipa, igualzinho como era antes de ser famoso. Ele é um garoto da comunidade, um astro que está levando nosso nome pro mundo. Não tem incentivo maior pros nossos meninos”, conta Cristina Nunes Brito, 47, que trabalha com transporte escolar na comunidade e é criadora da Associação Educacional Esportiva Cultural Brasileirinho.
Ela começou auxiliando projetos já existentes, como o Pequeninos do Meio Ambiente, que revelou Gabriel Jesus. Após mais de uma década, resolveu inaugurar o próprio projeto, que toca há seis anos de maneira independente, contando com doações de moradores do bairro.
“O esporte é um catalisador, uma forma de tirar os meninos do caminho errado, é um trabalho pra vida social deles. A gente tenta trazer bombeiros, PMs, fisioterapeutas, indicar cursos, pra mostrar pros meninos que eles podem crescer em outras áreas além do futebol. E muitos vêm para se divertir com os colegas, é uma forma de a gente alimentar a esperança”, explica.
Moradora do Jardim Peri há 27 anos e mãe de nove filhos, Cristina destaca que o bairro é privilegiado pela imensa área verde, disponível para a população, como o Parque Alfredo Löfgren e o Horto Florestal. Mas o que efetivamente mudou a realidade local foi a construção de hospitais, creches, postos de saúde e áreas esportivas, que têm oferecido perspectivas mais amplas para a população.
Por outro lado, o crescimento traz consigo alguns dilemas: “Muitos casarões antigos estão se perdendo e no lugar sobem prédios, só que junto com os casarões se perde uma parte da nossa história. Um país que não tem história, não tem cultura. Precisamos preservar nossa origem, das nossas famílias: negras, indígenas, portuguesas, imigrantes de várias nacionalidades e continentes.”
O projeto Brasileirinho recebe meninos e meninas de diferentes idades, origens e realidades sociais. Fomentar o orgulho pelo lugar onde nasceram e horizontes melhores é o grande objetivo: “A maioria dos meninos não tem os pais tão presentes, porque alguns precisam trabalhar, alguns estão presos ou faleceram. Tem meninos aqui que são órfãos de pai e mãe, então quem pode dar um outro olhar para eles é o projeto”.
Um desses meninos é Miguel Horácio Macera, 13 anos, que mais do que se inspirar em Gabriel Jesus, participou ao lado dele numa campanha publicitária. “Foi uma oportunidade que poucos têm, eu gostei muito”, afirma. Ele treina com Cristiane há três anos, e apesar de ter como grande sonho se tornar um jogador de futebol, ele tem outros interesses: “Também ajudo na produtora de MCs, agora tá vindo um monte de MCs novos, não é só o Livinho e o Lelê. Para mim é um negócio muito sincero, muito da hora, eu escuto muito trap e funk aqui da comunidade”.
Por isso, os momentos que Miguel mais gosta no bairro são os aqueles em que todos saem de casa para festejar, especialmente na Copa do Mundo: “É porque todas as crianças ficam na rua, vem um monte de Youtuber gravar aqui, pessoal pinta a rua, coloca bandeira e tem muita festa”.
Um pouco de história
O Jardim Peri foi oficialmente fundado em 5 de maio de 1951, a partir do loteamento de duas fazendas. O loteamento foi encampado pelo empresário italiano Peri Ronchetti, que nomeou não apenas o bairro como também a principal avenida da região. As primeiras residências erguidas no local foram de outro imigrante, o português Antonio Dias da Silva.
Aos poucos o bairro começou a ser ocupado, principalmente por moradores das áreas da Casa Verde e Parque Peruche, que sofriam com inundações. No entanto, foi nos anos de 1970, quando a Sabesp iniciou as obras de tubulação do córrego do Grajaú, que muitos funcionários se instalaram no Peri e ali assentaram residência.
Desde então, o crescimento do bairro é exponencial. Em 1980 já contava com 105 mil habitantes, chegando a 143 mil no Censo de 2010, com projeção, pela mesma pesquisa e também pelo Seade, de atingir os 150 mil em 2030.