Paris tem favela? Saiba como e onde moram os pobres na França
Eles estão concentrados ao redor da capital francesa e em cidades como Marselha, que tem o bairro mais pobre do país
A diferença entre a quantidade de pessoas e locais onde moram pobres na França e no Brasil é a proporção, além da força econômica dos países. Lá, quase não há aglomerações como favelas e barracos. As áreas populares francesas, onde moram muitos imigrantes, têm prédios enormes, cheios de pequenos apartamentos. Nada muito diferente dos conjuntos habitacionais populares brasileiros.
Gomis Léopold, 38 anos, nasceu na França de pais senegaleses. Mora em Le Blanc-Mesnil, a dez quilômetros de Paris. Como ele, as pessoas mais pobres moram ao redor da capital, como acontece nas regiões metropolitanas brasileiras. A diferença é que a pobreza na França é menos pobre do que no Brasil.
Léopold trabalha em uma academia, luta jiu-jitsu e capoeira. Esteve várias vezes no Brasil, em diversos estados. “Quando eu cheguei no Brasil, achei que era praia e mulher bonita, como eu via na televisão. Aqui na França é a mesma coisa, tem a parte que não é turística. O que se vende é uma imagem fácil”, compara.
O francês conta que, no Rio de Janeiro, na Lapa, pegou metrô limpo, e que em Paris os vagões são sujos. “Tem cheiro de lixo, de xixi. Muitos franceses jogam lixo no chão, especialmente nas grandes cidades”.
Afastando o povo da área nobre
Segundo Léopold, para a Olimpíada, limparam áreas sujas como Porte de la Chapelle. Ele reclama do aumento do preço da passagem de ônibus, que dobrou, e o temor de que o valor seja mantido depois dos Jogos Olímpicos.
“Aumentar os preços foi uma maneira de expulsar os pobres. Mas não deu muito certo, as pessoas vão para Paris trabalhar”. Isso gerou um problema: trabalhadores sem o QR Code de acesso, uma das soluções de segurança, tiveram dificuldade para chegar ao emprego. Patrões também.
Apesar da proximidade com Paris, não há metrô em Le Blanc-Mesnil. Léopold mora há 28 anos na cidade, onde as obras do metrô estão se arrastando há seis anos. Promessas de legado, como melhoria da infraestrutura, acontecem na França, como houve na Olimpíada e na Copa do Mundo no Brasil.
Para Léopold, há uma “gestão do povo”, deixando-o longe das áreas turísticas, especialmente após manifestações populares nos subúrbios de Paris.
A pobreza multiétnica em Marselha
Em Marselha, cidade portuária, segunda maior da França, quase 900 mil habitantes, os problemas sociais e de infraestrutura envolvem franceses e imigrantes. A editora brasileira Nichelle Teles mora na cidade, que fica a quase 800 quilômetros de Paris.
“O que diferencia Marselha de Paris é que tem realmente uma mistura cultural, em Paris são as bolhas. Em Paris, eu vi lugares de pobreza com barracos perto da linha do trem”, conta Teles.
Em Marselha, as pessoas pobres, incluindo imigrantes, moram em prédios que podem chegar a 18 andares, cheios de apartamentos pequenos. Em São Paulo, seriam os “predinhos”, com a diferença de que na França tem mais pavimentos.
Na turística cidade de Marselha está aquele que é considerado o bairro mais pobre da França, La Belle de Mai. A fachada dos prédios, em geral, é mais conservada do que os aglomerados brasileiros, mas há tráfico de drogas e certo controle do território.
Nesses conjuntos moram imigrantes da África subsaariana, Magreb, Ásia, e muitos brasileiros.
Marselha não reflete imagem olímpica de Paris
A assistente social Chloé Bowley, 34 anos, trabalha nos bairros ao norte de Marselha, na associação Sara Logisol. Ela atende mulheres imigrantes vítimas de tráfico humano. Em média, 500 por ano, principalmente da Costa do Marfim, Guiné, Libéria, Mali, Congo.
Ela conta que, para a Olimpíada, houve limpeza e retirada de gente dos locais turísticos. A Gare St. Charles, que costuma ser um ponto de referência para os imigrantes recém-chegados, no momento não tem ocupações, nem barracas.
“Se fizermos um semicírculo em torno do Porto Velho de Marselha, podemos dizer que estas zonas foram limpas para a chegada de turistas. Fora deste perímetro, nada mudou”, diz Chloé.
Falta transporte público, como no Brasil
A segunda maior cidade francesa tem apenas uma estação de ônibus e duas linhas de metrô. “Dos bairros do norte em direção à Vila Olímpica, é preciso pegar pelo menos um ônibus, dois metrôs e um ônibus novamente. É desanimador”, relata a assistente social.
O trabalho de Chloé a faz a visitar os apartamentos repletos de gente pobre. “Tem muitas baratas, percevejos, problemas de umidade. Não chove muito em Marselha, então, quando chove, é um desastre”. Ela lembra da visita a um apartamento ocupado por nigerianos no Parque Kalliste.
“Havia muitas ligações elétricas, cabos esticados para fora, faltava uma janela. Eles colocaram pequenos aquecedores elétricos nos carpetes e tapetes, sob as cortinas. Poderia ter pegado fogo. Havia algumas baratas, ratos no andar de baixo e presença de tráfico de drogas na entrada da cidade”, descreve.
Parte dos Jogos Olímpicos aconteceu em Marselha, mas, para Chloé, “não creio que a cidade reflita a imagem que atualmente damos de Paris para as Olimpíadas de 2024”.