Pesquisadora reconstitui história do símbolo Leão do Norte
De time de futebol a letra de música, passando pelo maracatu e emblemas oficiais, tradição popular tem séculos
Livro e exposição Um Leão na Paisagem recuperam a construção da identidade cultural, símbolo da bravura do povo pernambucano. Mostra no Museu da Cidade do Recife, no Forte das Cinco Pontas, fica em cartaz até o final de outubro.
É natural chamar o povo pernambucano de “Leão do Norte”, afinal, a imagem está presente em símbolos oficiais e populares, como a bandeira de Recife e o escudo do Sport Club Recife.
Mas qual seria a explicação dessa tradição, considerando que leões não são animais da fauna brasileira, nem americana, e que Recife está no Nordeste, não no Norte?
A pesquisadora Gisela Abad foi atrás das respostas, que são várias. Publicou um livro e montou exposição em que destrincha a construção cultural referente ao “Leão do Norte”.
As marcas iniciais podem ser encontradas ainda no século 16, no brasão da carta de concessão da Capitania de Pernambuco a Duarte Coelho. No brasão das armas de Maurício de Nassau, no século 17, também. E ainda está relacionado ao maracatu e aos cultos afro, chamados de xangôs.
Focada em um período de 40 anos entre o final do século 19 e começo do 20, a pesquisadora buscou registros de marcas na Junta Comercial de Pernambuco, através dos quais é possível conhecer rótulos de produtos.
Descobriu que o leão aparece designando refinaria, padaria, sabão, bolacha, cigarros, fábrica de cadeiras, entre outros. Descobriu também que, à medida que assume o papel de “garoto propaganda”, a imagem do leão vai mudando.
Deixa de ser “guerreiro, insurreto, agressivo” para ser transfigurado em um signo “cordato, amigo, domesticado, amestrado”. Em alguns casos, até lembra “um gatinho”.
Gisela Abad explica o processo em entrevista exclusiva ao Visão do Corre.
Não seria mais exato chamar de “leão do Nordeste”, ao invés de “Norte”?
Nós éramos Norte. A invenção do Nordeste se deu por Gilberto Freire e companhia no início século passado, quando se tem uma percepção geográfica e cultural do que seria o Nordeste.
Quem era o “leão coroado” da Revolução de 1817?
Não tenho provas, mas suponho que este leão coroado era um homem mestiço, do povo. Era um exemplo na carreira militar. Ele se juntou à revolução com mais de 60 anos, foi morto, esquartejado, um ícone de bravura.
A expressão “leão do Norte” aparece em jornais no século 19?
Sim. Quando os senadores pernambucanos chegavam na Corte eram considerados os “leões do norte”. Mas o que me surpreendeu é o número de rótulos e marcas com a imagem e a frase.
Qual o papel dos portugueses nesse processo?
Com a crise econômica que Pernambuco entra no século 19, há um sentimento de que o comércio e o trabalho estão sendo tomado pelos portugueses. Na hora que se monta um negócio e se coloca o rótulo de Leão do Norte, é quase como se dissesse “eu sou da terra”. A primeira é uma refinaria de açúcar; a segunda, uma padaria.
Coma surgiu a associação com o time Sport Clube Recife?
O escudo do Sport não tinha nada de leão, mas o time foi jogar, no final da década de 20, no Maranhão, disputando uma taça chamada Leão do Norte. O Sport Club do Recife ganhou. Mas o time local não se conformou, invadiu o navio, quebrou a taça, uma confusão danada. Por isso eles disseram ‘então agora a gente é o leão do Norte’. E pegou, estava na paisagem.
Quais representações do leão que mais te impressionam?
Gosto muito do rótulo da refinaria de açúcar, cujo leão tem um olhar humanizado, apelativo. Acho muito interessante outro com influência do cinema americanos, do começo do século 20. Também acho impressionante o leão completamente canino, com vassoura de piaçava na boca, como se fosse um pet. Muda para o oposto completo do que é esperado do ícone de bravura do leão do norte.
Serviço
Exposição Um Leão na Paisagem
Até 27 de outubro
Onde: Museu da Cidade do Recife, no Forte das Cinco Pontas
Endereço: Praça das Cinco Pontas, S/N – Bairro de São José
Quanto: Grátis