“Sou da quebrada, sim”, diz nadador olímpico de São Paulo
Gabriel da Silva Santos, da zona leste da capital paulista, disputa o revezamento 4 x 100 metros em Paris
Cria da Vila Nhocuné, no extremo leste de São Paulo, o nadador chega à terceira Olimpíada. Apesar de nadar desde os seis anos de idade, queria estudar nos Estados Unidos, até que a classificação para o Rio 2016 mudou tudo: ele passou a viver do esporte, mas não abandonou a formação acadêmica. Além da natação, cursa Psicologia, graduação com a qual sempre sonhou.
“Sim, eu me considero da periferia, sim. Eu vim lá da Vila Nhocuné, ali próximo de Artur Alvim, Itaquera. Cresci lá, estudei na escola da quebrada, a academia onde comecei era de lá, meus amigos de infância são de lá, eu frequento lá ainda”.
Essa foi a primeira resposta que o nadador Gabriel da Silva Santos, de 28 anos, enviou para o Visão do Corre, quando fizemos contato perguntando se ele era da periferia. O atleta enviou um segundo áudio, detalhando sua vida na zona leste de São Paulo.
“Sou da Cohab 1 também, em Itaquera, fui pra lá aos dez anos de idade. Então minha quebrada é lá, Artur Alvin, Itaquera. Não é Tatuapé, Carrão. Isso aí não é quebrada. Quebrada é mais pro fundo, mano”, reforçou.
Para quem não conhece a Vila Nhocuné, a referência que os moradores dão é o grupo de pagode Raça Negra, que surgiu lá, no bar do Coalhada. Gabriel, nadador do revezamento 4 x 100 metros, mora atualmente em Pinheiros.
É um bairro de classe média e alta na capital paulista, mas até recentemente o atleta fazia longas viagens entre a zona leste e o clube que leva o nome do bairro.
O estudo como caminho para o futuro
A trajetória de Gabriel pode ser resumida na ideia, fixa, de que estudar é um dos poucos caminhos de ascensão social para quem é de quebrada. Seus pais o tiveram muito novos, ele com 16 anos e a mãe com 13. O nadador tem um irmão, quatro anos mais novo.
Com muita luta, o apartamento de dois quatros na emblemática Cohab 1 de Itaquera era no térreo, o mais barato. A mãe trabalhava de garçonete, entre outras atividades. O pai fazia pipas na pequena fábrica do avô. “Sou viciado em pipa até hoje. Minha infância foi maravilhosa, mano”.
Gabriel entrou na natação por conta de um desvio na coluna. “No começo, eu nem gostava muito. Morava numa rua sem saída, todo mundo ficava na rua o dia inteiro, tinha criança para caramba. Eu chegava da escola e ia pra rua”.
Para garantir a presença do filho na natação, a mãe colocou o avô, “que era mais duro”, para levar o neto à academia. Gabriel aprendeu rápido, logo passou para piscina grande e o professor, vendo seu talento, o indicou para outra academia, com perfil mais competitivo.
Escola particular como oportunidade para o futuro
Um fato decisivo da vida de Gabriel foi a bolsa de estudos em colégio particular, que, embora não oferecesse natação, incentivava o esporte. “Ali foi a virada de chave”, não exatamente por causa do esporte – o atleta só abraçaria o profissionalismo mais tarde – mas pela chance de fazer faculdade.
“Mano, nadar é legal, mas eu sou pobre, tinha que pensar na sobrevivência, sempre vi o estudo como caminho”. Terminado o Ensino Médio, Gabriel só não foi estudar nos Estados Unidos porque, naquele momento, a natação se tornou possibilidade profissional.
Ele treinava no Esporte Clube Pinheiros desde os onze anos de idade. Federado, tinha a possibilidade de participar de campeonatos maiores. Foi tendo destaque, mas o sonho principal ainda era estudar nos Estados Unidos.
Rotina de estudante e atleta
A rotina de estudante e atleta era puxada. Gabriel acordava 5h30, entrava na escola 7h20. Para chegar, pegava perua, metrô, outra perua, e, na volta, a mesma sequência. Chegava em casa no começo da tarde.
“Minha mãe deixava a comida pronta o fogão, eu esquentava a marmita no micro-ondas, comia rapidinho e ia da zona leste até Pinheiros, para treinar”. Após o treino, chegava em casa por volta de 21h30.
Até que, aos 16 anos, passou a morar em uma república de atletas, próxima ao clube. Premiado, foi a campeonatos mundiais, conquistou o vice-campeonato brasileiro júnior, mas ainda não pensava em seguir no esporte. Queria estudar Educação Física ou Psicologia nos EUA.
“Não pensava em ser atleta porque eu não ganhava dinheiro. Ganhava R$ 925,00 com quase dezoito anos. Pensei: vou usar isso de degrau para estudar”. A ideia era conseguir uma bolsa por conta do esporte.
A natação como profissão
A decisão de abraçar a natação como carreira veio aos 19 anos, quando se classificou para a Olimpíada Rio 2016. “Fui treinando, dando meu melhor, no quieto, trabalhando duro. Tinha uns caras mais cotados, consagrados, medalhistas. Fui me sentindo bem, falei, mano, vou correr atrás do índice. E fiz o índice”.
Classificado para participar da primeira Olimpíada, com a qual não tinha sonhado, ele mergulhou de cabeça. “Aí o bagulho ficou louco. A preparação foi animal, vivi com a galera que eu via, conheci, viajei, competi com os caras. Muda a cabeça, eu me senti mais capaz”, lembra.
Então Gabriel chamou a mãe para conversar. Falou dos EUA, dos jogos. E a mãe, iluminada, disse a frase decisiva: ele poderia fazer faculdade depois, a chance olímpica era naquele momento. “Comecei a ganhar grana, vi que dava, o problema estava resolvido”.
“Vivo do esporte, sou profissional”
Na Olimpíada do Rio de Janeiro, a equipe de natação foi à final, mas ficou em quinto lugar. Gabriel era conhecido e o que aconteceu depois está registrado na imprensa: recorde Sul-Americano, seis títulos nacionais seguidos, semifinalista mundial, uma segunda Olimpíada em Tokio.
E a faculdade? Gabriel não desistiu, faz Psicologia em curso presencial noturno, com bolsa. Por enquanto, sua prioridade é o esporte, mas sabe que, em futuro próximo, o diploma de ensino superior fará diferença.
“O esporte mudou minha vida financeiramente, com certeza. E, além disso, tem a experiência vivida, a quantidade de países que eu visitei. Eu vivo de esporte, sou profissional”.