Script = https://s1.trrsf.com/update-1730403943/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Funkeiros falam sobre literatura e acesso às universidades

Chavoso da USP e Funkeiros Cults discutem o empoderamento do jovem de quebrada através do funk a da literatura

15 jul 2022 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
Evento “Funk na Cabeça - Desconstruções a partir do Gênero”
Evento “Funk na Cabeça - Desconstruções a partir do Gênero”
Foto: Isabela Alves/Agência Mural

“Dá para ouvir funk e querer ler livros também. Uma pessoa da quebrada pode tudo”, afirma Thiago Torres, 22. Estudante de ciências sociais na Universidade de São Paulo, o jovem é conhecido popularmente como Chavoso da USP pelo estilo - caracterizado pelo óculos Juliet, boné, pratas e outros acessórios - e por levantar o debate sobre o lugar das periferias dentro das universidades públicas.

Ele participou do evento “Funk na Cabeça - Desconstruções a partir do Gênero”, no Sesc Avenida Paulista. O encontro também contou com a participação de Dayrel Teixeira, criador da página Funkeiros Cults e a mediação de Thiagson de Souza, professor de música clássica e doutorando em funk.

Filho de pais nordestinos, Thiago cresceu na Brasilândia, zona norte de São Paulo. Durante a adolescência, a família se mudou para Guarulhos, na Grande São Paulo, e é quando sua dedicação aos estudos se intensifica.

No ensino médio, durante as aulas de sociologia, ele passou a se questionar mais sobre a realidade em que vive. “A gente é tão alienado que só vai vivendo. Então, a gente não se pergunta porque moramos na favela, porque a maioria lá é preta ou porque a polícia mata nóis e nada acontece”, reflete.

Após pesquisar sobre a possibilidade de estudar a política brasileira e como a sociedade funciona, ele descobriu a existência do curso de ciências sociais e ingressou na USP em 2019.

Thiago Torres, o Chavoso da USP
Thiago Torres, o Chavoso da USP
Foto: Reprodução

No entanto, ele destaca que ainda enfrenta diversas barreiras dentro da universidade. Apesar da maior parte da população brasileira ter origem negra e indígena, o repertório de estudos tem como foco apenas os intelectuais europeus ou estadunidenses, conta.

“A nossa opinião não se forma sozinha. Existe uma classe dominante que molda o nosso pensamento através da mídia e até mesmo no sistema educacional. Se a gente não lê autores negros, mulheres e indígenas, vamos concluir que eles não produzem nada. Isso leva a uma distorção absoluta de quem somos e do nosso lugar”, diz.

Durante as palestras que realiza em escolas públicas de São Paulo, ele observa que muitos estudantes não se reconhecem como moradores de periferia. Além disso, só conhecem aquele território e não imaginam a possibilidade de acessar outros espaços da cidade, como o Parque Ibirapuera ou a própria Avenida Paulista, na região central.

“Dentro dessa área segregada e apartada, você acredita que você não é negro ou pobre. Porque você mora na casa de tijolo e o outro no barraco, então você é mais 'classe média' que aquela pessoa. Isso é falta de consciência de classe e racial”, afirma o Chavoso.

Dayrel Teixeira, criador da página Funkeiros Cults
Dayrel Teixeira, criador da página Funkeiros Cults
Foto: Reprodução

Dayrel Teixeira, 21, administrador da página Funkeiros Cults, complementa que na região onde vive, no bairro Compensas, em Manaus (AM), a população também não se reconhece como periférica, mesmo sem ter acesso ao saneamento básico e sendo vítimas frequentes da violência policial.

“A gente se acostuma com algo que não deveria na quebrada, como o enquadro [da polícia] ou não poder usar o celular na rua. Acaba virando uma coisa natural, porque ninguém se questiona. Muita quebrada no Brasil é assim”, comenta.

Para que as narrativas das pessoas periféricas não sejam reduzidas apenas a violência ou pobreza, a página dos Funkeiros Cults surgiu como uma maneira de inspirar estudantes periféricos que estão na universidade e gostam de ler livros.

Com o sucesso da página no Instagram, muitos jovens se sentiram representados com o conteúdo e conheceram outros semelhantes de diferentes quebradas em todo o país. “Ninguém associaria a literatura ao funk e hoje isso é possível. A internet foi um meio para que grupos com o mesmo pensamento pudessem trocar ideias”, diz Dayrel.

Thiago também reflete que se hoje jovens periféricos podem se inspirar na história dele e de Dayrel, isso é fruto da luta de diversos movimentos sociais. Neste cenário, um dos destaques é o movimento do rap, que foi um divisor de águas para o empoderamento negro das populações periféricas.

O estudante citou o álbum “Sobrevivendo no Inferno”, lançado em 1997 pelo grupo Racionais MC's, em que se criou a consciência do “sujeito periférico”. Para Thiago, a partir dessas letras, os moradores se motivaram a ter orgulho de onde veio.

“Todo o respeito aos que vieram antes e abriram portas pra gente. Querendo ou não, também estamos abrindo portas para os que virão depois. Minha gratidão para quem lutou pela base”, conclui.

Agência Mural
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade