Os desafios de quem trocou SP por um recomeço na Europa
Conversamos com ex-moradores da região metropolitana que abriram mão da profissão para viver como imigrante no Velho Continente
Segundo o Itamaraty, nunca houve tantos brasileiros morando fora do país quanto em 2020. São mais de 4,2 milhões de pessoas que trocaram de país em busca de oportunidades no exterior.
O principal destino ainda é os Estados Unidos, com mais de 1,7 milhão de brasileiros, seguido por Portugal, que conta com 276 mil. Nesse grupo, estão moradores das periferias que conseguiram juntar recursos para viver no exterior.
Ramon Raleandro Pinheiro, 31, faz parte dessa conta. Ex-morador de Osasco, na Grande São Paulo, ele mudou-se com a noiva Bruna, 32, para Lisboa em outubro de 2020. Lá, conseguiu emprego como entregador e assistente de atendimento, além de contar com a ajuda da irmã que já morava no país há mais tempo.
“Com o tempo as coisas foram se encaixando, minha esposa conseguiu um emprego formal, até voltou para a área dela que é finanças, começou uma nova faculdade. Em outubro a gente conseguiu alugar nosso apartamento”, conta Ramon, que trabalhava como coordenador de polos de uma universidade à distância no Brasil.
Antes de viajar, Ramon e a noiva juntaram dinheiro e venderam o carro para começar do zero. Além disso, tiveram ajuda da irmã dele que já estava no país.
Com pouco mais de um ano em Portugal, Ramon sabe como é enfrentar a pandemia do novo coronavírus em ambos os países. Para ele, há poucas diferenças na forma como a população tem se comportado.
“Quando chegamos, estávamos extremamente pilhados. Eles podiam andar nas ruas sem máscara, só colocar nos estabelecimentos comerciais. Mesmo no pico da pandemia, muita gente, assim como no Brasil, desrespeitava o isolamento, aglomerava”, afirma.
Mesmo patamar
Um dos desafios de morar no exterior além da renda é driblar o preconceito. No entanto, Fernanda Miranda, 33, conta que essa barreira foi vista com relação aos próprios brasileiros que estão em Portugal.
Ex-moradora do bairro de Pimentas, na periferia de Guarulhos, atualmente ela está em Fundão, cidade que fica a cerca de 300 km da capital Lisboa.
Segundo ela, o preconceito por vir de uma região periférica parte dos próprios brasileiros: “tem uma galera que era rica no Brasil e veio pra cá. Aqui está todo mundo começando do zero, todo mundo comprando uma casa com financiamento em 40 anos para pagar”, afirma.
“Não importa onde você é formado ou se tem um loft na Paulista. Aqui você está igual eu que fiz Uninove e morava no Pimentas”, afirma.
Fernanda está em Portugal desde 2019. O marido dela havia conseguido um emprego no país e ela o acompanhou junto com a filha Alice, na época com três anos. Os estudos da menina, que agora já está entrando no primário, é o principal motivo dela não ter vontade de voltar ao Brasil.
“Aqui as crianças são muito independentes desde novinhas. É normal você estar andando e ver a professora e a auxiliar levando elas para passear na durante o horário de aula”, conta.
A cidade de Fundão é uma espécie de “colônia brasileira”. Fernanda conta que tem um grupo no WhatsApp apenas com as mulheres brasileiras da cidade para compartilhar serviços, vagas e cursos.
A queridinha dos intercambistas
Enquanto Portugal acaba sendo um destino visado por quem busca um trabalho, Dublin, a capital da Irlanda, é uma das favoritas pela galera que vai estudar outro idioma.
Os dados mais recentes da Belta (Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio) contam que, em 2019, o Brasil contava com 386 mil intercambistas. Na Europa, o destino favorito é a Irlanda, por conta dos valores mais acessíveis que o Reino Unido.
Apesar de ser um do destino inicial para aprender inglês, muitos brasileiros têm construído a vida no país.
A jornalista Thaís Santana, 31, trocou o Morro Doce, na zona norte de São Paulo, pela capital irlandesa em 2017 e por lá ficou. Já trabalhou com faxina e atendimento conforme o inglês foi melhorando e até já iniciou uma segunda faculdade no país, conforme seu visto como estudante de idiomas foi chegando ao fim.
“Quando vim estava com a ideia de ficar seis, oito meses, mas depois que vi que estava gostando, decidi ficar os dois anos. A faculdade veio meio que na necessidade”, conta Thaís, que agora estuda um curso híbrido de administração com psicologia.
“Foi a primeira vez na vida que tive essa sensação de ser eu por eu mesma, o que é muito empoderador, mas a princípio assusta demais. Você fica meio sem saber por onde começar, não vai dar conta de tudo. Parece que você é uma criança de novo, é muito doida essa sensação”, relembra.