Advogada brasileira defende imigrantes na Alemanha
Criada no subúrbio do Rio de Janeiro, Delaine Kühn é uma das primeiras advogadas brasileiras a exercer a função no país
Delaine Kühn, 41, nasceu no bairro Colégio, na periferia do Rio de Janeiro. Filha de pai militar e mãe pedagoga, a carioca sempre encontrou dentro de casa apoio para os estudos. Aos 17 anos, começou a cursar Direito na Universidade de Santa Úrsula. Formou-se. Nesse período, se apaixonou pelo alemão Robert Kühn. Após concluir o curso, Delaine aceitou o convite do marido e partiu para a Alemanha.
A história da brasileira no país europeu começou em 2004, quando morou por quatro anos na Alemanha. Em sua primeira experiência, Delaine relembra que ainda não tinha a possibilidade de advogar devido ao processo de reconhecimento do diploma. No entanto, obstinada, ela buscou alternativas sobre como atuar no cenário internacional. Sua persistência a fez encontrar uma solução.
“Primeiramente, encontrei uma possibilidade de me tornar advogada portuguesa na Alemanha. A primeira coisa que fiz foi a minha inscrição em Portugal. Eu tinha conhecimento sobre as leis alemãs e o direito migratório”, conta.
Auxiliando imigrantes, não só brasileiras
Atualmente, Delaine acumula no currículo títulos de qualificação como advogada brasileira e portuguesa, além de ser inscrita como advogada alemã na Ordem dos Advogados de Celle, cidade localizada em território germânico.
A brasileira divide a rotina de advogada nos três escritórios que possui com a função de ativista dos direitos dos imigrantes. Delaine viu com os próprios olhos como muitos advogados deixavam a desejar no aconselhamento de pessoas vindas de outros países, com promessas de documentos e honorários extorsivos.
“Isso me despertou para o poder da minha história e de como eu poderia auxiliar os imigrantes, principalmente do meu país de origem, que não teriam como pagar por uma assistência jurídica”, conta.
Engajamento no combate à violência doméstica
Delaine também se tornou referência no trabalho de prevenção à violência doméstica na Alemanha. Engajada na causa, presta apoio às mulheres estrangeiras vítimas de abusos que recorrem à ONG Brasileiras em Perigo na Alemanha (BEP).
Integrante da equipe jurídica da associação, a advogada tem papel fundamental na orientação e prevenção de mulheres em situação vulnerável. Delaine recebe pessoas alemãs e da América Latina, inclusive brasileiras, vítimas de violência e abuso cometidos por seus companheiros.
“São histórias de partir o coração. Como a maioria das vítimas é imigrante, elas sentem-se perdidas na hora de procurar ajuda. E ainda existem casos em que as mulheres não denunciam com medo de perder o filho, a casa, serem deportadas. Por meio dessa associação, elas encontram auxílio, vão em busca de informações e de assistência jurídica para defender seus direitos”, relata Delaine.
Ela acrescenta ainda que a causa virou sua missão de vida. A brasileira ainda atua em casos de famílias em disputa de guarda internacional.
Vítimas chegam a tentar suicídio
As mulheres atendidas pela advogada brasileira foram expostas à violência patrimonial, psicológica, verbal e física. Segundo Delaine, assim como no Brasil, a demanda das vítimas encontra barreiras tanto para fazer a denúncia, como pela falta de estrutura para acolhimento emergencial por parte do Estado. Essas falhas ficam ainda mais evidentes em relação a mulheres estrangeiras.
“As mulheres são revitimizadas pela falta de estrutura do sistema que, quando vítimas da violência de gênero, chegam a um nível de desespero tão grande a ponto de tirarem a própria vida”, relata.
Necessidade de uma legislação sistêmica
Delaine considera a falta de apoio psicológico a falha número um. Ela conta que as vítimas de violência doméstica ou de gênero começam a se culpar, não acreditam que tenham direito de se sentirem vítimas, desprotegidas e merecedoras de atenção. Para elas, falta uma rede de apoio.
Segundo a advogada, “dentro da migração, a gente sabe que essa rede tem um tempo orgânico muito mais longo e mais difícil em relação ao contexto em que a pessoa nasceu. Além disso, tem a questão de como o Estado vê essa mulher migrante, e a impunidade dos agressores”, resume.
Delaine aponta o que falta para a legislação europeia ser mais eficaz: um pacote de políticas públicas que trabalhe da prevenção até o julgamento, sem esquecer a vítima e sua família. A violência nunca é um problema individual. “Do outro lado do Atlântico, luto, todos os dias, por uma reforma sistêmica para todas as mulheres, imigrantes ou não”, finaliza.