Artista de São Mateus leva projeções e memórias a prédios e museus de São Paulo
Toni Baptiste modifica a paisagem urbana com imagens e mensagens que provocam reflexões sobre ancestralidade e o direito à cidade
Mesmo sem perceber, é provável que você já tenha se deparado com as projeções do artista Toni Baptiste. Seja por meio de mensagens exibidas nas fachadas de edifícios durante manifestações ou projeções em festas e obras em exposições, a arte visual de Toni se faz presente na paisagem urbana de São Paulo.
Nascido e criado na favela Vila Flávia, em São Mateus, na zona leste da capital paulista, Toni, 39, incorpora em sua arte a preservação da ancestralidade e uma reflexão sobre o direito à cidade.
“Saí do campo da revolta e entrei muito mais num campo de afetividade. Muito da emoção que coloco no trabalho vem da ideia de transmutar algo que parte da morte e sensibiliza as pessoas a defenderem os seus territórios, defenderem as suas histórias”, argumenta o artista.
Filho mais novo de uma mãe de família mineira e pai alagoano, Toni Baptiste perdeu a irmã aos 10 anos e, aos 11, viu seus pais se separarem. Para lidar com revoltas e emoções, encontrou refúgio no papel e na caneta, que logo o levou às paredes da cidade.
“O desenho foi tipo uma vazão muito forte para mim e fiquei muito tempo focado em desenhar. Na adolescência, andava de skate e conheci a cena do pixo de São Mateus. Desenvolvi os meus personagens com a galera daqui, como Psicoboys, Os bombas, Os bones, Porra loucas, Réplicas e Os Birutas”, relembra.
O artista conta que entre os anos de 1990 e 2000, o hip hop se conectava com o punk rock por meio da ideia “Do It Yourself” (faça você mesmo), que enfatiza a regra de expressar-se livremente.
Inspirado em mangás, cultura geek e street wear, Toni Baptiste desenhava personagens invocados, usando roupas de grife, no grupo Os Malandros. No entanto, o artista diz que sentia a necessidade de mais para extravasar.
No começo dos anos 2000, Toni grafitava, era DJ e músico. Foi guitarrista da banda de new metal Evilslive. Nessa época, experimentou drogas e álcool, e após sobreviver a duas overdoses, decidiu seguir por outro caminho.
“Precisei estudar para dar um rumo na minha vida. Prestei o vestibular, com bolsa, numa universidade aqui na zona leste para licenciatura em artes visuais. Fui pensando em ser professor, não tinha em mente ser artista. Era um bagulho muito distante”, destaca.
Nas salas de aulas e ruas
Na faculdade, Toni conheceu o artista Flávio Camargo, com quem fundou o Coletivo Coletores em 2008. Ambos lecionaram na rede pública de ensino e, logo, cada um comprou um projetor para introduzir algo digital para os estudantes. Foi assim que surgiu a ideia de unir arte e tecnologia.
Para viabilizar os trabalhos em sala de aula, a dupla participou de editais da cidade de São Paulo voltados para coletivos de arte periféricos. O financiamento para o projeto coletivo foi destinado à aquisição de equipamentos e ao aprimoramento da infraestrutura para os projetos realizados nas escolas.
“A gente usava a grana do edital para investir no próprio coletivo e o que era muito inovador na época. Montamos games para a molecada, desenvolvemos obras interativas. Porque o comum é o coletivo ganhar um edital e ter que bancar a infraestrutura do bolso, para o RH ficar com a grana do edital, até porque eles precisam comer”, argumenta.
Em 15 anos de atividade, o Coletivo Coletores já expôs em locais como a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, Instituto Moreira Salles, Rede Sesc, Red Bull Station, Centro Cultural São Paulo, British Council, Bienal de Arte Contemporânea de Dakar.
Toni explica como as suas intervenções artísticas acrescentam outros sentidos ao cotidiano. “A gente começa a amadurecer a produção no sentido de se apropriar da cidade e não simplesmente ocupar, mas ressignificar esses espaços na linha de não deixar a nossa história ser apagada”, afirma.
O artista destaca que o viver e trabalhar em grupo é a maneira como São Mateus está presente em seus projetos. “Desde o início assumo essa herança periférica. A coletividade é a única perspectiva pra mim. Não consigo imaginar uma realidade de mundo, uma realidade social, que não contempla a coletividade, como base para organização”, explica.
Flávio Camargo, 47, parceiro de Toni Baptiste no Coletivo Coletores, destaca como o trabalho coletivo nas artes visuais é incomum. “Não é uma tradição forte no Brasil trabalhar em grupo. A ideia é o artista solitário que se isola e volta com uma produção. [No Coletivo Coletores] temos como objetivo fazer um trabalho que pensa junto e desenvolve junto a arte através de processos abertos”, pondera Flávio.
E elogia o parceiro: “Admiro o trabalho do Toni pela união entre criatividade, organização e perspicácia, como ele se joga nas produções. A arte pede que se comunique bem, se organize e nesse sentido ele tem a expertise de falar bem sobre o trabalho aliado a uma perspicácia. Ele é uma pessoa que está sempre aberta a desafios”.
As projeções já foram reconhecidas por meio de prêmios e celebrações. Em 2022, a dupla ganhou o Prêmio Pipa de artes visuais e, em agosto deste ano, uma exposição no Museu Nacional da República, em Brasília, comemorou os 15 anos do Coletivo Coletores.
Em suas obras, Toni debate a perspectiva de onde a arte pode estar e como as projeções podem tocar o público. “Meu sentimento entra muito no campo da afetividade. É um sentimento de troca. Estou numa lógica de compartilhar, de colocar uma produção de conhecimento que nasce de uma forma horizontalizada e isso é o que tenho praticado aí nos últimos 10 anos”, finaliza.