Coletivos negros centenários socorrem terreiros do RS
Com muitos praticantes de religiões afro, população pobre, periférica, preta e parda representa 26% de Porto Alegre
Uma coalização de associações negras, algumas centenárias, liderada pela Associação Satélite Prontidão, socorreu até agora 186 terreiros de religiões afro, além de 400 famílias negras de Porto Alegre e região desde o início das enchentes na cidade. Povos tradicionais de matriz africana e comunidades de terreiros têm necessidades específicas.
Levantamento divulgado em 22 de maio pela Associação Satélite Prontidão, o segundo clube negro mais antigo do Rio Grande do Sul, mostra que 186 terreiros de religiões afro foram socorridos, além de 400 famílias negras.
Ainda segundo o levantamento, 35 locais sagrados estão com demandas mapeadas pela central de socorro montada na Associação Satélite Prontidão, com 122 anos de existência.
Ela funciona no bairro Rubem Berta, o mais populoso de Porto Alegre, com quase 90 mil moradores, no extremo norte, periferia das mais atingidas pela enchente. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o menor da capital gaúcha.
As pessoas atendidas moram ou frequentam terreiros, ou ilês, de Porto Alegre a das cidades de Alvorada, Guaíba, Canoas, Esteio, São Leopoldo e Sapucaia.
Coalização de clubes pretos
Em 8 de maio, no início das enchentes, um conjunto de associações negras, liderado pela Satélite Prontidão, começou a socorrer o povo de terreiro. A estatística divulgada em 22 é o primeiro levantamento.
Apesar dos números, “eu não conseguiria mencionar todas as ações, foram muitas, porque sempre fomos fortemente afetados, estamos na periferia”, diz Richard Guterres Alves, presidente da Associação Satélite Prontidão.
Ele também coordena a executiva dos Clubes Sociais Negros do Rio Grande do Sul, reunindo mais de 60 agremiações. Uma delas é a Associação Cultural e Beneficente Floresta Montenegrina, com 107 anos.
Pretos em Porto Alegre
Segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pretos e pardos somam 346 mil pessoas na capital gaúcha, representando 26% da população.
Em bairros como Restinga, Rubem Berta e Sarandi, há significativa população preta. Existem oito quilombos urbanos na capital gaúcha, com 2.293 pessoas. Grande parte dos ilês ou terreiros estão nas regiões periféricas.
“Fomos procurados por um pool de entidades de representatividade nacional ligadas à matriz africana e povos de terreiro, a Rede das Redes”, conta Richard Guterres Alves, da Associação Satélite Prontidão, onde foi criado um centro de recebimento e distribuição de doações destinadas aos ilês, prioritariamente, e ao povo preto, em geral.
As doações chegam de várias fontes, como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), de que envia cestas-básicas. Elas são mandadas aos terreiros, onde foram montadas cozinhas solidárias.
Cuidados com o povo de terreiro
Povos tradicionais de matriz africana e comunidades de terreiros têm cuidados com algumas comidas, conforme explica Thayna Brasil, voluntária da Fonsanpotma, que integra a Rede das Redes.
“Nós, do batuque do Rio Grande do Sul, não comemos arroz com galinha. É um alimento fácil de ser produzindo e foi doado em várias marmitas, muitos não entendem que é um dos costumes da nossa tradição”.
Segundo Richard Guterres Alves, “nos abrigos o efetivo de pessoas negras era bem pequeno. É tradição dos terreiros as famílias procurarem seus ilês para o acolhimento, dificilmente se deslocam para abrigos”.
Em alguns deles, “principalmente aqueles coordenados pela crença pentecostal, certos hábitos da cultura de matriz africana não estavam sendo respeitados, ou então eram proibidos”.
A importância dos clubes negros
As associações culturais, que foram fundamentais para a afirmação da negritude no século 19, continuam mostrando sua importância durante a tragédia das enchentes.
O mais antigo clube negro de Porto Alegre é a Sociedade Beneficente e Cultural Floresta Aurora, fundada no último dia de 19872 – tem 151 anos.
“Abrimos nossas portas no século 21 para realizar aquilo que é a essência dos clubes negros, prestar apoio a famílias que criaram esses clubes no início do século 20”, resume Richard Guterres Alves.
“Somos um equipamento da comunidade negra resistente e existente na cidade de Porto Alegre”, conclui.