Com cerimônia rara, terreiro reabre após 1 ano de luto em PE
Festa no bairro da Mangabeira, periferia do Recife, tem a presença de dois príncipes da Nigéria, autoridades religiosas
Oxum e Oxalá são celebrados no Centro Espírita Cigana Saray. Casa de culto afro-ameríndio completa 40 anos e reabre as portas ao público após o luto pelo babalorixá Clóvis de Oxum, que também reinou à frente do Maracatu de Baque Virado Encanto da Alegria.
Na rua Coremas, em Mangabeira, periferia do Recife (PE), a rotina é de preparativos e expectativas para saudar a reabertura dos salões do Centro Espírita Cigana Saray.
A casa de devoção ao candomblé, que completa 40 anos, irá promover sua reinauguração com celebração aos orixás oxum e oxalá, em cerimônia rara aberta ao público.
O terreiro ficou fechado por um ano, após a morte de pai Clóvis de Oxum. “Uma vez no mês continuamos a distribuir o sopão, mas as demais atividades estavam suspensas”, conta Anderson Santos, líder religioso da casa.
Presença no terreiro e nas festas populares
Clóvis de Oxum subiu ao primeiro degrau da hierarquia religiosa do candomblé aos 22 anos, em 1975. Devoto do Caboclo Sete Flechas, da Mestra Ritinha e da Cigana Saray, também foi um militante cultural atuante.
Cuidou espiritualmente da Tribo Carijós do Recife, que realiza a dança carnavalesca do caboclinho mais antiga do estado, desde 1897. Foi elevada à categoria de Patrimônio Vivo de Pernambuco. Em 2003, o babalorixá foi coroado como rei do Maracatu Encanto da Alegria.
A morte do babalorixá Clóvis de Oxum desencadeou os rituais do candomblé, que começaram no dia do falecimento, e duraram um ano, com as atividades religiosas do terreiro paradas.
“A gente só limpa, cuida, acende vela, mas sem festa, sem oferenda de sacrifício com sangue. Agora a gente recebeu a ordem para reabrir o terreiro com um toque para oxum, orixá patrono do babalorixá falecido”, conta Santos, que passou dias assoberbados na preparação dos rituais.
Ele explicou ao Visão do Corre como transcorreu o último ano e como será a festa de reabertura, com uma série de obrigações e oferendas.
Quando o babalorixá Clóvis de Oxum morreu, o que aconteceu?
Começam os rituais. A gente seca todas as quartinhas no quarto do orixá – as quartinhas são onde a gente bota água. Emborcamos todas por sete dias, quando se faz a obrigação para os eguns, os ancestrais.
Como é a cerimônia aos ancestrais?
Fazemos essa oferenda em dois momentos: convocamos a rainha dos eguns para acolher aquele babalorixá que faleceu. Em seguida, no mesmo dia, a gente faz uma cerimônia dentro do salão, restrita, mulher não pode participar.
É quando jogam os búzios?
O jogo de búzios é jogado para saber o caminho e o destino do terreiro, como também do líder religioso. Fizemos o jogo e os búzios disseram que a casa não ia fechar de vez, mas o assentamento dos orixás do líder religioso não foi despachado. O orixá não permitiu.
Então a casa fechou?
Seguimos o ritual e a casa ficou fechada durante um ano. As atividades ficam suspensas, a gente só limpa, cuida, acende vela, mas sem festa, sem oferenda de sacrifício com sangue. Agora a gente recebeu a ordem para reabrir o terreiro com um toque para oxum, que era o orixá patrono do babalorixá falecido.
Como serão os rituais de reabertura?
Demos obrigação a egun, o ancestral, com um ano de falecimento, como se fosse uma renovação. Tem uma outra oferenda para oxum e iansã, e vamos reverenciar também oxalá. Na reabertura, fazemos a festa de oxum – seus filhos levam uma cesta com flores e axés dentro. Levamos até uma cachoeira ou rio no momento da festa.
Quem leva a cesta vai incorporado?
Sim, era Clóvis que levava. Mas, com sua morte, oxum não permitiu que outro filho levasse essa cesta incorporado. A recomendação é que a cesta deve sair na mão e ninguém leva até o ori, que é a cabeça.