Confusão entre Dona Marta e Santa Marta deixa moradores indignados no RJ
Imprensa e religião tiveram papel importante difundindo a confusão entre o nome do morro e da favela que existe nele
Dois padres, uma mãe e uma santa estão na origem do nome do morro e da comunidade. Confusão levou o então prefeito, César Maia, em 2007, a fazer um decreto para esclarecer as dúvidas, mas a iniciativa oficial teve pouco efeito.
Para não repetir a confusão entre Dona Marta e Santa Marta, na zona sul do Rio de Janeiro, é preciso entender um pouco da história da comunidade. Os nomes envolvem dois padres, uma mãe e uma santa.
O morro veio primeiro, claro. Dom Clemente José de Mattos era proprietário de terras na região, no século 17. Ele nomeou o local em homenagem à mãe, Marta Figueira de Mattos, a dona Marta, que ficou sendo o nome do morro.
Não havia confusão até que outro padre, três séculos depois, na década de 1930, “batizou” a comunidade que começava a se formar, homenageando Santa Marta. Conforme a tradição católica, ela recebia Jesus Cristo em sua casa.
Em uma pequena capela erguida no alto do morro, que abrigou a imagem da santa, o padre Veloso tornou Santa Marta a padroeira da favela. A confusão histórica levou o então prefeito César Maia a fazer um decreto estabelecendo os nomes e as diferenças.
O Visão do Corre conversou com Itamar Silva, 68 anos, cria da favela Santa Marta e fundador do Grupo Eco. O ativista é um dos indignados com a confusão, e explica como ela surgiu.
Como você se sente quando os nomes são confundidos?
Todas as vezes que eu ouço as pessoas se referirem a Dona Marta eu fico indignado porque, na verdade, é uma tentativa de apagamento da história da própria localidade.
Por que apagamento?
Desde que a favela começou, no final dos anos 30, ela é a favela de Santa Marta. Eu não estou negando o nome do relevo, do morro, do mirante, mas a história da favela, desta comunidade, está ligada ao exercício de nomear o lugar juntamente com as pessoas.
Como assim?
Quando o padre Veloso, lá no alto, faz a capela Santa Marta e diz, como na Bíblia, que Marta recebeu Cristo na sua casa, aqui também vai ser o lugar do repouso de todos, do acolhimento. Essa explicação, para mim, faz muito sentido e tem a ver com a história da própria favela.
Como surgiu essa confusão?
Primeiro pela imprensa, que sempre se referiu a Dona Marta, que é o mirante, o não à favela, que é uma comunidade onde as pessoas têm uma história. Esse é um ponto. Então nossa briga, durante muito tempo, foi com a imprensa, que não reconhecia a favela como lugar de história, de convivência.
Foi só culpa da imprensa?
A partir dos anos noventa, a disputa se deu em relação à narrativa evangélica, de não querer citar o nome de Santa Marta. Então a gente começou a travar, internamente, uma disputa com todas as denominações evangélicas, para dizer que o nome da favela não tem nada a ver com as opções religiosas.
Qual a importância de esclarecer a confusão dos nomes?
Por respeito. Ninguém muda o nome da avenida Nossa Senhora de Copacabana, ninguém muda o nome do bairro de Santa Teresa, por que vai mudar o nome de Santa Marta? Brigar pelo nome correto tem a ver com identidade, tem a ver com história.