Conheça Graça, a mãezona do Jardim Pantanal
Líder comunitária luta há trinta anos por melhores condições de vida em bairro da zona leste de São Paulo
A família da pernambucana Maria das Graças de Souza, 58, tem um tamanho fora do comum. Além dos quatro filhos que gerou, ela também é mãe de outras 500 famílias do Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo. Ou quase isso.
Graça, como é conhecida, chegou ao bairro na década de 1980. Há mais de três décadas, ela preside a Associação Clube de Mães do Jardim Pantanal, que arrecada doações para a comunidade. A instituição atende atualmente 500 famílias, distribuindo cestas básicas, roupas e tudo o que chega através de parceiros.
O trabalho social rendeu a ela o apelido de “mãezona do Pantanal” e fez com que a pernambucana se tornasse referência nas discussões sobre os problemas da região.
“Te juro que não sei nem por que as pessoas iam me procurar, mas [elas] iam”, conta a presidente sobre como se envolveu na luta por melhorias para o bairro. É fácil perceber, no entanto, porque ela se tornou a liderança comunitária que é hoje.
No Jardim Pantanal, Graça conversa com todos que cruzam seu caminho. “Bom dia, Camila. Como tá esse bebêzinho?”, pergunta ela para uma jovem mãe que traz a filha no colo. Depois, ouve atentamente a menina e a aconselha sobre uma febre da criança.
A líder comunitária é cumprimentada por todos na rua, dos mais novos aos mais velhos. No celular, ela troca mensagens com instituições na tentativa de conseguir um prato de comida ou um emprego para uma mãe conhecida que precisa alimentar seus filhos.
A relação próxima com os vizinhos começou ainda nos anos 1980, quando uma enchente deixou várias casas inundadas. Em busca de ajuda, ela e outras nove mulheres pegaram um carrinho de mão e saíram pedindo doações para moradores do bairro ao lado. Era o início do Clube de Mães.
Desde que a associação foi criada, Graça dedica seus dias a encontrar soluções para a comunidade.
Quando o movimento começou, ela trabalhava fazendo faxina em um apartamento a 40 km de casa, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. A distância não impediu que ela organizasse no prédio uma doação de brinquedos e roupas para presentear as crianças do Jardim Pantanal durante o Natal.
“Consegui fazer o ‘Adote uma criança’, que é quando você dá uma sacolinha com roupa, sapato e brinquedo no Natal”, lembra ela. As doações eram levadas de ônibus, de Santo Amaro até a zona leste.
Depois, Graça trabalhou em outros empregos, se dividindo entre as tarefas do Clube de Mães e o expediente como faxineira. Até que um dia, quando se candidatou para uma vaga de cozinheira, ouviu do futuro chefe que ela não deveria ocupar o cargo.
O trabalho necessitaria de dedicação integral e ele sabia que Graça precisava se dedicar à associação. “Não é que ele não queria que eu trabalhasse [com ele]. Era mais para não fechar a entidade”, afirma.
Desde então, trabalha como autônoma, vendendo roupas na garagem de casa, ou como sacoleira, para conciliar o trabalho remunerado com as atividades voluntárias do clube, onde não recebe nenhum centavo.
Nos últimos tempos, ela tem se desdobrado para conseguir mais doações. As ajudas diminuíram desde que o isolamento social da pandemia cessou, apesar de cada vez mais famílias estarem em insegurança alimentar no país.
A presidente conta que as cestas básicas não chegam em quantidades suficientes e nem sempre ela consegue cadastrar na associação todos os moradores que pedem por ajuda. Mesmo assim, ela insiste com todos os seus contatos até conseguir ajudas pontuais para as famílias que batem à porta da associação.
“A pior coisa que tem na vida é você ter que escolher para quem você vai dar ajuda”, lamenta.
Para ela, as demandas das mães do bairro não são diferentes das de outros moradores. Elas precisam de emprego, comida, saneamento básico e uma solução para as enchentes, que ainda hoje atingem algumas ruas do Pantanal.
Graça lembra do dia em que uma gestante tocou sua campainha depois de ter a casa invadida pela água. “Nunca mais vou esquecer isso. A mulher chega brilhava, eram quase 10 horas da noite”, conta ela. Naquele dia, ela foi até a escola do bairro exigir abrigo para os vizinhos.
“É tanto que eu participei – e não tenho vergonha de falar – da invasão da escola para poder tirar a família, a gestante, de dentro das águas”, comenta.
Graça entende bem a preocupação dessas mães. Ela criou os quatro filhos no bairro, enfrentando as cheias do rio Tietê, que corta a região. Hoje, já adultos, eles entendem que tem que dividir a mãe com outras famílias, mas volta e meia ainda ficam bravos quando Graça perde algum evento por causa da associação.
Há alguns anos, a pernambucana perdeu um almoço surpresa feito por eles no Dia das Mães. Bem na hora, uma remessa de doações chegou e ela foi fazer as entregas. “Já prometi que não faço mais isso [no horário que combinei com eles]”, conta ela rindo. “Senão meus filhos ficam com ciúmes dos outros”, brinca.
O sonho de Graça é poder distribuir rosas e cestas básicas para as mães do Jardim Pantanal em todos os dias das mães. Enquanto não consegue, ela segue lutando para ajudar quem pode, sempre que pode.
Para saber como doar para a Associação Clube de Mães do Jardim Pantanal, ligue no número (11) 96048-0033.