Desconhecida, lei da moradia social pode ser acionada no RS
Ela assegura assistência técnica gratuita para projeto, construção e reforma de habitação para famílias de baixa renda
A Lei 11.888 é pouco usada por vários motivos. Um deles, o desconhecimento da legislação. Há ainda um debate técnico entre arquitetos e urbanistas sobre os termos “assistência” e “assessoria”. Para integrante de ocupação, o problema é o uso político da lei e sua aplicação em redutos eleitorais.
Para o povo periférico, ou das vilas, na expressão gaúcha, há uma alternativa à perda das casas, a lei de moradia popular, pouco conhecida e, menos ainda, praticada. Destinada a pessoas de baixa renda, pode ser posta em prática por prefeituras e movimentos sociais.
A Lei 11.888 existe desde 2008. Destinada a famílias com renda de até três salários mínimos, assegura assistência técnica gratuita de engenharia, urbanismo e arquitetura em projetos de reforma ou construção de casas.
A assistência pode ser oferecida diretamente a famílias, cooperativas e associações de moradores. O acompanhamento da reforma ou construção é feito por profissionais de residência acadêmica, extensão universitária, escritórios-modelo ou prefeituras, entre outros.
Burocracia não é o problema
Diante da calamidade climática no Rio Grande do Sul, um dos objetivos da lei de moradia social é evitar a ocupação de áreas urbanas e rurais de proteção ambiental. A prioridade é incentivar mutirões em zonas habitacionais de interesse social.
A assistência inclui a formalização de burocracias em órgãos públicos. Para Nunes Lopes dos Reis, arquiteto há 17 anos, com experiencia em moradias populares, a burocracia não é o problema.
“Muitas comunidades têm associação de moradores. Elas podem funcionar como catalizadoras. O poder público poderia selecionar aquelas que seriam escritórios de aplicação da lei de moradia”, explica o arquiteto.
Como ampliar a aplicação da lei
O Conselho de Arquitetura de Urbanismo de São Paulo (CAU-SP) lança editais de fomento à construção e reforma de moradias populares com base na Lei 11.888. Entre 2021 e 2023, apoiou 104 projetos.
Segundo Camila Moreno de Carvalho, presidente do CAU-SP, a participação de organizações sociais é fundamental para ampliar o conhecimento e aplicação da lei. “Tais entidades ocupam papel central nas demandas a serem apresentadas ao poder público e no desenvolvimento de soluções”, explica.
Para ela, o desconhecimento da legislação não é o único entrave. Há um debate técnico entre arquitetos e urbanistas sobre os termos “assistência” e “assessoria”. Segundo Carvalho, “a mera prestação de serviços” seria assistência; mas as “práticas que articulam formas de participação coletiva e organização popular” caracterizariam “assessoria”.
Além disso, a lei também deixa de ser aplicada porque grande parte da população que precisa de moradia não está organizada em movimentos sociais. Mas para quem mora em ocupações, existem outros motivos.
Ocupação Anchieta, em São Paulo
Segundo Anderson Fernandes Maciel, uma das lideranças da ocupação Anchieta, no Grajaú, em São Paulo, “falta vontade política”. Cerca de seis mil pessoas vivem na ocupação, que existe desde 2013.
Maciel critica a “burocracia e vaidade política” e aponta a tendência a usar a lei de moradia social em redutos eleitorais. A ocupação Anchieta tem CNPJ e poderia acionar o dispositivo legal, mas nunca usou.
As 40 residências novas da ocupação, concluídas em setembro do ano passado, surgiram da iniciativa do Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais, em parceria com Selavip, organização internacional de apoio à habitação, com atuação em diversos países.