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Esporte e música: Vovó Benta faz seu funk ecoar nas quebradas

Dona Benta Antônia também é estudante de educação física e já disputou competições de atletismo representando o Brasil

12 out 2022 - 05h00
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Foto: Arquivo pessoal

Assim como o esporte, a cultura é um caminho pelo qual homens, mulheres e crianças da periferia passam diariamente. Alguns com mais sorte, outros com menos, mas a verdade é que o papel de resgate social que esses dois agentes desempenham na pavimentação de um futuro melhor é fundamental. Na vida da MC Vovó Benta, 61 anos, moradora de Cidade Tiradentes, periferia da zona leste de São Paulo, tanto a música quanto o esporte sempre tiveram espaço garantidos.

Aposentada da Guarda Civil Metropolitana (GCM) desde 2016, a MC da zona leste teve sua infância, adolescência e vida adulta envolvida com o atletismo e o futebol e representou o Brasil em competições internacionais. A vovó lembra que migrou do atletismo para o futebol depois que sua irmã, e parceira nas pistas, sofreu um acidente e não pôde mais disputar os campeonatos.

“Desde pequena a gente sempre correu juntas, eu tinha 11 anos e a minha irmã 13. Ela sempre foi atleta de ponta, de alto nível, e muitas vezes eu ia para as competições com ela e nem medalha trazia. Depois que ela foi atropelada por um trem, em 1977, em Itaquera, eu perdi a vontade de continuar correndo e fui jogar futebol por um time da Vila Maria”, lembrou a aposentada.

Vale ressaltar que nesta época o futebol feminino no Brasil ainda era proibido, o que fazia de Vovó Benta, uma mulher preta e periférica, alvo de diferentes formas de preconceito. Regulamentada em 1979, a modalidade recebeu poucos estímulos e incentivos por parte de federações e clubes. No entanto, a Sociedade Esportiva Palmeiras, acreditando no potencial da jovem atleta e na ascensão do futebol feminino no país, cedeu o campo para o time da zona norte treinar semanalmente.

“Infelizmente eu machuquei o joelho em um dos treinos no Palmeiras e, de acordo com o médico da época, mesmo se eu operasse não ia conseguir voltar a jogar em alto nível como gostaria. Foi então que eu decidi parar de jogar futebol e voltei a praticar o atletismo, mas antes consultei a minha irmã”, recordou Dona Benta.

Foto: Arquivo pessoal

Estudante de nível superior

A história de Vovó Benta com o atletismo se deu até o dia em que recebeu o e-mail informando sua aposentadoria. Segundo a mãe de dois filhos, incluindo um atleta profissional de futebol, e duas netas de 16 e 4 anos de idade, deixar as competições oficiais de atletismo representando a GCM não significou parar de correr ou se aposentar para sempre das pistas.

“Pratiquei atletismo até 2016 como representante da Guarda Civil Metropolitana, mas isso não quer dizer que parei de correr. Eu só deixei de competir oficialmente como atleta da GCM, mas nunca deixei de treinar”, reforçou.

Dois anos após a aposentadoria, em 2018, a MC sentiu que estava muito tempo ociosa e precisava mudar este cenário. Mais de 35 anos depois de terminar o ensino médio, a moradora de Cidade Tiradentes decidiu voltar a estudar. Escolheu o curso de educação física e rapidamente foi acolhida pela nova turma de colegas.

A escolha pela grade curricular não poderia ser diferente, uma vez que a experiência e o envolvimento com o esporte fizeram dela uma ótima aluna da vida. Vovó Benta conta que se assustou com a palavra faculdade no começo, mas a vontade de se atualizar e continuar ativa foi maior que o medo.

“Para nós, que ficamos muito tempo sem estudar sempre bate aquela sensação de ‘será que eu vou conseguir entender?’ Mas, depois que eu comecei percebi que a garotada ia me acolher e depois foi tudo festa”, revela a estudante.

Foto: Arquivo pessoal

Funk consciente

Em 2020, com a chegada da pandemia do coronavírus, MC Vovó Benta já realizava um trabalho voluntário com crianças da Associação Beneficente e Cultural Aliança, de Cidade Tiradentes. No entanto, as atividades tiveram que ser suspensas e todos ficaram em casa. O isolamento social afetou a vovó superativa que, com o tempo, ficou completamente abatida e entregue ao medo.

Com um quadro clínico depressivo, síndrome do pânico e ansiedade diagnosticados a idosa viu no funk consciente uma maneira de driblar as doenças psicológicas. “As mortes por Covid-19 começaram a me afetar e eu fiquei muito mal. Depois de conversar com meu filho, eu comecei a fazer pesquisas na internet e vi um post do Neymar que dizia ‘o pai tá on’ e ele estava com uma Juliet [modelo de óculos] e a caixinha de som. Na hora eu pensei que isso dava um funk” revelou a compositora.

“O pai tá on, o pai tá on, Juliete na cabeça com a caixinha de som”. Com esse refrão chiclete a MC Vovó Benta conseguiu se recuperar da depressão e fazer da música uma aliada durante os dias mais críticos da pandemia. O senso de coletividade da idosa atraiu outras 11 mulheres que completaram o time das Vovós da Tiradentes. Chapa Quente, outro hit das vovós, alcançou mais de 1.500 visualizações no canal oficial da Magic Pury Produções, produtora que elaborou o single.

Atualmente, as vovós se reúnem uma vez por mês no quintal de Dona Benta. Os encontros ficaram conhecidos como a “segunda sem lei” e funciona assim: cada idosa leva um prato de comida e enquanto comem e bebem, as vovós compartilham suas experiências das últimas semanas, incluindo as lembranças da infância que são sempre bem-vindas, segundo a MC.

“A gente come, a gente bebe, a gente ri e se diverte lembrando do passado. Nossa resenha da segunda sem lei serve como uma válvula de escape para nós que estamos vivendo a melhor idade. Algumas de nós estavam diagnosticadas com pouco tempo de vida, mas as nossas conversas fizeram tão bem que vimos verdadeiros milagres acontecendo, e por isso nos reunimos para agradecer a vida”, finalizou MC Vovó Benta.

Foto: Arquivo pessoal
Fonte: Visão do Corre
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