“Jamais serão esquecidos”: como está a favela visitada pelo papa Francisco no RJ?
Em 2013, quatro meses após eleito, pontífice visitou a capital fluminense e foi à Varginha, no Complexo de Manguinhos
A Varginha é a menor das favelas do Complexo de Manguinhos, que tem 12 comunidades, com total de 36 mil habitantes, segundo o Censo 2022 do IBGE. A visita do papa Francisco trouxe otimismo e impulsionou projetos sociais, mas, onze anos depois, permanecem problemas estruturais, como enchentes.
Na visita que fez à favela da Varginha, zona norte do Rio de Janeiro, o papa Francisco parou na igreja, na casa de uma família e no campo de futebol – antes de entrar em campo, declarou que os moradores “jamais” seriam esquecidos. Era 25 de julho de 2013. Onze anos depois, como está a comunidade?
A igreja de São Jerônimo Emiliani teve a fachada reformada para a visita e o altar foi abençoado pelo pontífice. A pequena capela está igual e, na noite da morte do papa Francisco, realizou missa de despedida. Fiéis lotaram os 80 lugares, com gente rezando do lado de fora.
Presente à missa, Everaldo Oliveira, da Pastoral da Crisma, que ajudou a organizar a visita do Papa, disse que “seu grande legado é a renovação do caráter da nossa fé, ele colocou um fervor maior na nossa comunidade.”
Os moradores da casa que o pontífice visitou não moram mais na Varginha, mas a fachada continua pintada de amarelo. O campo de futebol do Rio Petrópolis, onde o Papa discursou, está do mesmo jeito: dimensões oficiais e poucas falhas na grama. Mas surgiram muitas casas ao redor, de dois e três andares.
Ao lado do campo, está a associação comunitária, que passa por reformas, reivindicação de anos. O presidente da Associação Pro Melhoramento do Parque Carlos Chagas, Walker José da Silva, evangélico, diz que “a mensagem de paz que Francisco deixou alcançou muitas pessoas; depois dele, acho que ficou melhor a convivência entre os moradores”.
A favela da Varginha venceu?
Edilano Cavalcanti, do Cinema Uh´mano, de formação de jovens cineastas em Manguinhos, acompanhou a visita do papa Francisco. Ele lembra do clima de otimismo, com a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e obras de infraestrutura. Ao chamar a atenção para a favela, a visita do pontífice ajudou a impulsionar projetos sociais, culturais e esportivos.
Porém, após a visita, e com o fim das UPPs, “a favela voltou a ser como era antes, com domínio do tráfico e intervenções policiais que causam tiroteio, bala perdida”, diz Cavalcanti. A opinião é parecida com a de Paloma Gomes, 37 anos, cria da Varginha, professora envolvida em projetos sociais.
Ela lembra que, antes da visita do Papa, a coleta de lixo funcionou, as ruas foram lavadas, mas acabou. “Acho que quando ele falou de não sermos esquecidos, foi algo espiritual. Não houve transformações estruturais. Não há nada com o nome dele aqui”, diz a moradora.
Um jornal surgido para mobilizar Manguinhos
Fábio Pessanha, 26 anos, aluno de Serviço Social, integra o Fala Manguinhos, que agência de comunicação popular que mantém site, redes sociais e jornal impresso. Com apoio da Fiocruz, vizinha da favela, o projeto surgiu a partir da mobilização contra as remoções de moradores, aceleradas na preparação para a visita do para Francisco.
Moradias eram derrubadas para obras como um novo asfalto da principal avenida de Manguinhos, Leopoldo Bulhões. “O asfalto ficou mais alto do que a favela, que teve mais alagamentos”. Pessanha e parças se organizaram para mostrar os problemas da comunidade ao Papa.
Posicionaram-se na entrada da favela com faixas, cartazes, bandeiras, e gritaram pelo papa Francisco passando no papamóvel. “Ele viu a gente, olhou, nosso barulho chamou a atenção, demos entrevista para canais internacionais”.
Fábio Monteiro, morador da Varginha há quinze anos, comemora a retomada do CNPJ e a nova sede física do Fala Manguinhos. “É um espaço que estava degradado pelas enchentes, mas, com vaquinha, fizemos a reforma. É tudo luta da própria comunidade”.
Moradora pioneira lembra de problemas climáticos
Na caminhada pelas ruas da Varginha, o papa Francisco abençoou Kevyn Johnson, com necessidades especiais, filho de Norma Maria de Souza, 59 anos. O menino morreu de covid, mas a mãe, que fez o primeiro barraco na favela, não desistiu do projeto social Marias.
“Na minha vida, o Papa deixou mais fé, mais esperança. Meu filho faleceu, mas por causa das palavras de Francisco, continuei com meu projeto que ajuda outras mães de filhos com necessidades especiais. Me deixou um legado como mulher, como lutadora, como pessoa”, diz Norma.
Ela também lembra das enchentes, o principal problema climático da comunidade, atravessada pelos rios Jacaré e Faria-Timbó. “Um dos legados do Papa foi justamente a questão ambiental. O meio ambiente são as pessoas, somos nós. Temos muito diálogos, com diversas instituições, mas nada é resolvido. Precisa de ação”, aponta a moradora.
“Precisa, em primeiro lugar, desassorear o rio, está cheio de areia. As enchentes são a nossa maior preocupação”, explica o presidente da associação comunitária, Walker José da Silva, que todos conhecem como Zelito, apelido dado pela avó.
Como estão as pessoas abençoadas pelo papa Francisco?
Enquanto caminhava pela favela da Varginha, papa Francisco abençoava crianças, como o casal de gêmeas Yasmin e Sophia Araújo de Mendonça Silva. Tinham poucos dias de vida. Foram batizadas e fizeram a primeira comunhão na capela São Jerônimo Emiliani, visitada pelo pontífice.
Acompanhadas da mãe e do pai, as gêmeas frequentam a missa semanalmente. Fazem curso para coroinha e “vão seguir mais coisas dentro da igreja”, diz o pai Jailson Ricardo da Silva, 51 anos. “Um ano depois da visita do Papa, abri minha empresa de contabilidade, veio a oportunidade de financiar um apartamento fora da comunidade”, relata, entre outras conquistas.
Após abençoar as gêmeas diante do número 73 da rua Carlos Chagas, papa Francisco entrou na casa 81. Glória Regina Teodoro de Araújo foi até o quintal e passou, pela janela, a neta de um ano para ser abençoada. Morador pegou a criança e levou até o pontífice, que a abençoou.
Hoje com 12 anos, Mariana Teodoro Gomes dos Santos está batizada na capela visitada pelo Papa, onde, em breve, fará a primeira comunhão. Criada pelos avós e pela mãe, frequenta semanalmente a igreja, é boa aluna e quer ser médica.
Ficou triste com a morte do Papa, “queria encontrar ele de novo”, sobretudo porque não lembra de nada. Era um bebê quando foi passada pela janela para ser abençoada, no dia chuvoso em que a favela da Varginha entrou para a História.