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“Jesus pregou na periferia do Império Romano”, aponta frei David Santos

Peregrinação por locais distantes do centro do poder levava a “boa nova” aos excluídos e evitava perseguições oficiais

24 dez 2024 - 07h00
(atualizado às 07h26)
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Resumo
Série do Visão do Corre narra o nascimento, vida e morte de um Jesus periférico. Nesta reportagem, a vida de um pregador de origem camponesa, marginalizado e, de certa forma, delinquente, pois desafiava o poder político romano e as noções religiosas tradicionais.
Frei David Santos, fundador da Educafro, rede de cursinhos colocou mais de 100 mil jovens negros e pobres no ensino superior.
Frei David Santos, fundador da Educafro, rede de cursinhos colocou mais de 100 mil jovens negros e pobres no ensino superior.
Foto: Marcos Zibordi

Jesus é cria da periferia. “Se a gente ler os evangelhos com atenção, a única vez que ele entrou numa cidade, foi Jerusalém, e para morrer”, lembra André Leonardo Chevitarese, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Jesus anda por lugares periféricos, é periférico, itinerante. Tem um dado interessante: sempre que ele vai na sinagoga, dá problema. Ele é expulso, mal interpretado. A única vez que vez que ele vai no palácio, é amarrado, para ser julgado pelo governador Pilatos”, diz o padre Júlio Lancellotti.

E, levantando ele os olhos para os seus discípulos, dizia: bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus – Lucas, 6:20

Nas cidades viviam os proprietários de terra, os soldados e os governantes, que cobravam altos impostos. Nos centros do poder, Jesus estaria exposto. Andar por territórios periféricos como aldeias e vilas foi uma opção estratégica.

Frei David dos Santos, franciscano, fundador da rede de cursinhos Educafro, diz que “semelhante à época de Jesus, muitos religiosos e sacerdotes estão mais preocupados com o status político e econômico do que, efetivamente, no trato do povo”.

“O melhor retrato de Jesus que nós pesquisadores temos feito é de um sujeito de origem camponesa”, diz André Chevitarese.
“O melhor retrato de Jesus que nós pesquisadores temos feito é de um sujeito de origem camponesa”, diz André Chevitarese.
Foto: Arquivo pessoal

Jesus, homem do povo das periferias

Chevitarese, que escreveu Jesus de Nazaré, uma Outra História, conta que havia um clima de opressão e revolta na época de Jesus. Frutas, legumes, grãos, peixes: de cada quatro, três eram retidos em impostos.

“É uma exploração violenta, tem uma revolta camponesa muito próxima ao contexto de Nazaré”, diz Chevitarese. De fato, a seis quilômetros, a cidade de Séforis foi invadida por camponeses liderados por Judas, o Galileu. Os revoltosos queimaram as dívidas com os donos de terra.

É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus – Mateus, 19:23

Profetas como Jesus eram pessoas marginalizadas, “ninguém queria ser pastor, não tinha higiene, dormia ao relento, não podia seguir os rituais de pureza do judaísmo, eram meio andarilhos”, descreve o padre Júlio Lancellotti.

“Os profetas nunca estiveram no luxo, em situação superior ao do seu próprio povo, mas convivendo com ele”, diz o sheik Rodrigo Jalloul, da mesquita da Penha, em São Paulo – embora muçulmano, respeita Jesus e sua mensagem, fazendo trabalho social com pessoas de rua.

Lema da ordenação do padre Júlio Lancellotti é de carta aos Coríntios: “Deus escolheu o que é fraco para confundir o que é forte”.
Lema da ordenação do padre Júlio Lancellotti é de carta aos Coríntios: “Deus escolheu o que é fraco para confundir o que é forte”.
Foto: Rovena Rosa/AB

Pregação de Jesus só podia dar cadeia

“Há o famoso momento em que Jesus entra no templo e com uma vara enxota aqueles que tentam fazer vendas. Ele precisou agir com assertividade para impedir que negligenciassem a essência da igreja”, diz Frei David.

Líderes populares que desafiam o poder central são historicamente coibidos, como Jesus. Ele “se coloca criticamente no mundo” em uma “perspectiva de transformação da realidade”, diz Chevitarese.

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres – Lucas, 4:18

Para o padre Júlio Lancellotti, Jesus contesta três pilares básicos da autoridade: Deus, que passa a ser o “pai amoroso que está no meio de nós”; a noção de pátria, pois todos são chamados; e a família, unida por laços de afeto, não necessariamente biológicos. “Isso era insuportável para os poderosos”.

Por isso a condenação de Jesus foi severa. “Crucificados são párias, a cruz é para pobres, miseráveis. Guardadas as devidas proporções, o esquadrão da morte partia para cima desses caras, da classe baixa, o negro, a negra, o indígena, o nordestino pobre. Para esses é bala”, compara Chevitarese.

Iyalorixá Roberta de Yemonjá, da Casa das Águas de Yemonjá. "Tem coincidências que a gente não pode deixar passar".
Iyalorixá Roberta de Yemonjá, da Casa das Águas de Yemonjá. "Tem coincidências que a gente não pode deixar passar".
Foto: Ana Beatriz Marques

Quais pessoas seriam abraçadas por Jesus hoje?

O rabino Alexandre Leone diz que “a essência da mensagem dos profetas não nos leva às mansões metafísicas do pensamento, mas aos cortiços de Jerusalém”. Trazendo para a atualidade, “a questão central é o órfão, a viúva, o imigrante, o favelado, é a realização do humano enquanto veículo da ação do divino”.

A ialorixá Roberta de Yemonjá, da Casa das Águas, em Sepetiba, extremo da zona oeste do Rio de Janeiro, vai na mesma linha. “Eu compreendo que Jesus foi e seja do povo que pega o trem, metrô, a mãe preta, favelada, o homem preto que tem medo de andar sem RG. Jesus lidera essa população, esse povo”, diz ela.

Pai Denisson D'Angiles, sacerdote de umbanda, distribui comida e presta apoio a moradores de rua em São Paulo.
Pai Denisson D'Angiles, sacerdote de umbanda, distribui comida e presta apoio a moradores de rua em São Paulo.
Foto: Nano Cunha

“No Brasil, uma situação semelhante é o trabalho de alimentar pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social, como as cozinhas solidárias, que refletem a mesma missão de oferecer dignidade e esperança aos mais excluídos”, compara pai Denisson D'Angiles, sacerdote de umbanda.

Para o pastor Leandro Rodrigues, “a mensagem central é a inversão dos valores terrenos: no reino de Deus, o que importa não é a riqueza, mas a solidariedade, a humildade e a busca por justiça social”.

Fonte: Visão do Corre
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