Jovem morto em frente à mãe gravou funk e jogou bola no lixão da favela
Vítima da PM era da favela do Bugre, na Vila Jockey Clube, em São Vicente, com lixão histórico e projeto social abandonado
Vinícius Fidelis Santos de Brito tem pai, mãe, irmão e irmã. Jogou futebol em projeto social que não teve continuidade. O jovem também quis ser funkeiro. Morreu em ação da polícia militar na região que foi alvo da Operação Verão, no início do ano, deixando 56 vítimas na Baixada Santista.
“A falta de oportunidade é gigantesca, vários barracos de madeira, famílias sofredoras criando os filhos dentro da favela”, diz um jovem que conheceu Vinícius Fidelis Santos de Brito, morto a tiros por policiais militares na frente da mãe na favela do Bugre, no bairro Jóquei Clube, em São Vicente, Baixada Santista.
O vídeo que mostra o assassinato na madrugada de 2 de dezembro é provavelmente o mais dramático da série de violências policiais flagradas nos últimos dias. A favela do Bugre, com 2.667 habitantes segundo os últimos dados do Censo, fica no berço do funk da Baixada Santista. É a região de MC Primo, morto em 2012 com 11 tiros.
Vinícius Fidelis Santos de Brito alimentou ao menos dois sonhos: ser jogador de futebol e funkeiro. O jovem que o conheceu conta que “quando era novão, subia direto no campinho lá em cima pra jogar bola, era projeto social. Hoje em dia não tem mais, está tudo quebrado”.
“Lá em cima” é o histórico lixão do Sambaiatuba. Desativado em 2002, virou parque ecológico e passou a oferecer cursos de informática, panificação, oficina de costura, futebol. Projeto social premiado, acabou e, atualmente, moradores de quebradas como a favela do Bugre, trabalham com reciclagem no local.
Bugre é a 13º favela em número de habitantes
Além do futebol, Vinícius Fidelis Santos de Brito tentou o funk. “Colava com nós sempre. Era o pivete da banca. Ele era feliz e conhecia geral da comunidade”, conta um vizinho que conviveu com Vinícius.
Como MC Vini, o jovem assassinado gravou o funk Entre Quatro Paredes, em 2016. Fala de uma novinha que é santa na frente da mãe, mas safada longe dela. Alcançou 563 visualizações em oito anos.
A favela do Bugre é a 13ª em número moradores entre as favelas de São Vicente, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mortes em 2024 na Vila Jockey Clube
Na madrugada de 3 de fevereiro de 2024, durante a Operação Verão, José Marcos Nunes da Silva, de 45 anos, morreu na Avenida Sambaiatuba, na Vila Jockey Clube, em São Vicente.
Segundo a versão oficial, policiais teriam dado ordem de parada ao suspeito, que atirou e tentou fugir a pé. A família da vítima disse à imprensa que José era catador de recicláveis e implorou pela própria vida.
Na noite de 11 março, dois homens morreram na região durante a mesma Operação Verão. Segundo a versão dos policiais, dois suspeitos entraram em confronto quando eles faziam a ronda em um conhecido ponto de tráfico de drogas.
Teriam ouvido disparos de arma de fogo e, ao chegarem a um rio, os policiais alegam que os suspeitos revidaram. Atingidos, foram socorridos, mas não sobreviveram.
Divisa entre Santos e São Vicente
Um marco na região é o Dique do Sambaiatuba, localizado na divisa entre São Vicente e Santos, no Rio do Bugre, que dá nome à favela.
O Dique foi construído na década de 1950 com o objetivo de utilizar os manguezais para a implantação de atividades agrícolas, que nunca foram desenvolvidas.
A partir da década de 1960, a área começou a ser ocupada por construções irregulares, assentadas em vielas estreitas, principalmente em palafitas, comprometendo os manguezais.
Entre as 38 favelas de São Vicente, a do Bugre tem tamanho médio, com 2.667 habitantes. As duas maiores são Quarentenário Público (9.225) e Jardim Rio Branco (8.278).