Literatura mostra como representatividade importa na favela
Escritores periféricos garantem que é importante crianças negras se enxergarem nos livros com imagens que possam reconhecer suas famílias
Dentro do imenso mundo literário, a infantil se destaca sendo uma potência na construção da autoestima e identidade das crianças. Sabendo das influências positivas que a leitura promove às crianças negras, a escritora Vanessa Andrade lançou livros ilustrados tendo a negritude como protagonista das histórias.
Nascida e criada em Nova Holanda, na Maré, onde morou aos 13 anos e, tendo a família espalhada por diversas favelas da cidade e do estado do Rio de Janeiro, Vanessa se formou professora, desde 2013 é coordenadora pedagógica na rede municipal de Itaboraí. A inspiração para se tornar profissional da educação, ela trouxe da mãe e da tia, duas educadoras que mantinham uma escola primária em casa. Em meio ao mundo do giz, do mimeógrafo, das brincadeiras e das festas escolares, amplificou a paixão pela educação e veio o primeiro livro: “Irmãozinho, Irmãozão”; Lançado em outubro de 2021, a ideia surgiu durante a pandemia, na ocasião, Vanessa Andrade começou a observar a relação entre seus filhos, dois meninos de 11 anos e 6 anos. O processo criativo para compor a narrativa ultrapassou as expectativas da autora, ela considera um processo de autoconhecimento para todos ao seu redor. “quando ‘buguei’ após ficar trancada em casa, tendo que dar conta do trabalho, filho... durante a terapia, descobri que a escrita criativa me ajudava a aliviar a tensão. Daí saíram vários textos e esse específico sobre Irmãozinho Irmãozão, que veio a se transformar nesse livro infantil”, conta.
Sendo uma escritora preta, periférica e mãe, Andrade sabe da importância dos livros e da representatividade para as crianças pretas, incentivá-las a lerem para uma educação antirracista é o objetivo de vida profissional e pessoal da escritora. Nesse sentido, no ano passado, na última edição da Bienal do Livro, realizada no Rio de Janeiro, foi lançado o “Presente Perfeito”. A obra apresenta a história da pequena Gimbya, uma menina muito imaginativa e travessa, que usa sua criatividade e torna todos os seus sonhos possíveis ao receber seu esperado presente de Natal. A autora deu protagonismo às mulheres como uma forma de homenagear as referências femininas de sua família. “Gimbya mostra que nós, meninas e mulheres, podemos ser o que nossa imaginação desejar, e que o verdadeiro presente perfeito não tem preço, mas valor, carinho e afeto", pontua.
A pandemia da Covid-19 amplificou as desigualdades sociais. A área da educação foi uma das mais afetadas. Com as aulas temporariamente paralisadas e, posteriormente, realizadas de modo online, Vanessa Andrade em conversa com outras professoras da Escola Municipal Maria Cecília Coutinho Barros, comunidade da Marambaia, São Gonçalo, produziram o projeto “Visitando Branquinho”. Trata-se de uma websérie proposta para os alunos interagirem e não se sentirem sozinhos durante o isolamento social. Em que é aliada a entrevistas com autores, contadores de histórias e pedagogos. Sobre o futuro profissional das novas gerações, Andrade explica, “imagine para uma criança preta como é importante se reconhecer na literatura, na animação, em todas as profissões. Entender que tudo é possível. E vindo da favela também podemos ser médicos, pilotos, engenheiros, escritores.”
Afrofuturismo unindo arte e literatura
O afrofuturismo aborda temas diretamente ligados à diáspora africana sobre a lenta da tecnocultura e da ficção científica. Na qual seus três pilares são: ser uma literatura fantástica, afrocentrada e com o protagonismo negro do personagem e do autor. Seguindo essa vertente da literatura, está o escritor Henrique André, 43 anos, através de livros e ilustrações que enaltecem um posicionamento afrocentrado. O desejo de escrever histórias surgiu após se mudar para Petrolina, Pernambuco, já que ele é oriundo da Zona Leste de São Paulo. O primeiro poema autoral foi escrito aos 12 anos, mas apenas em 2019, publicou a trilogia “Alágbárá o sonho”, um conto intuitivo que narra a história do primeiro sonho que se torna realidade e do primeiro pesadelo. Também é uma homenagem à língua e cultura Yorubá, pois todos os nomes próprios da obra são oriundos da língua africana. Henrique André explica como iniciou a obra, “o universo fantástico que eu descrevi nesse livro era apenas com personagens pretos… com um mundo fantasioso - criado por mim. Eu sou um homem preto e assim foi muito importante identificar Alágbárá como escrita afrofuturista.”
Após ser estimulado pela pedagoga Fernanda Rodrigues a escrever livros sobre a temática, surgiu o projeto “Afrofuturo, o ancestral do amanhã”. Composto por um livro infantil introdutório ao afrofuturismo, traz conceitos de futuro, ancestralidade e afrofuturismo para crianças e para que educadores, oficineiros e pais possam utilizar o livro no cotidiano educacional, cultural e para diversão das crianças. Para tornar o sonho da publicação possível, há um financiamento coletivo no site Catarse, no qual 55% da meta é para a captação de recursos de publicação e pagamentos dos envolvidos no projeto, que continua até o final de fevereiro. O objetivo é a doação de um livro, caso o apoiador queira financiar o projeto mas não tenha interesse em ter um exemplar físico. As doações serão feitas para escolas, creches e bibliotecas, serão divulgadas informações sobre os locais escolhidos para que os apoiadores possam acompanhar o processo. “Para ser um projeto inclusivo a gente [equipe] desenvolveu um audiobook… pensamos como auxílio para educadores, oficineiros. Desenvolvemos como apoio para aplicação do livro não só em sala de aula mas também em casa para o apoio literário dos pais,” garante.
No final do ano passado, Henrique André marcou presença no debate “Paixão de Ler”, no Museu Afrobrasileiro do Rio de Janeiro. A convite da Secretaria de Cultura, o escritor palestrou sobre ilustração infantil e disputa de imaginário. Levar sua arte para outros Estados brasileiros estando próximo a grandes nomes da literatura negra foram as metas alcançadas no evento. “A troca de experiências dentro desse universo preto de criadores de material intelectual infantil foi muito rica. Eu espero ir mais longe, sair mais e visitar o nordeste para participar de eventos literários, com a literatura infantojuvenil - que é o viés de Alágbárá, trabalhar e lançar meus livros.” Henrique André é designer gráfico formado na Faculdade Cruzeiro do Sul, com essa habilidade ele administra a própria loja virtual, na qual são encontrados materiais que produz como: imãs de geladeira e quadros, telas inspiradas em heroínas e heróis negros.
A Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, desde o ensino fundamental até o ensino médio. Para a especialista em literatura infantojuvenil, Ana Helena Mendes, a importância da inclusão dos assuntos na grade curricular, “a história e a literatura que nos são passadas desde sempre tendem a ter um padrão eurocêntrico. As crianças negras nunca foram protagonistas nas histórias, sempre se viram em papéis subalternos. A importância de novas narrativas em que as crianças sejam personagem centrais é fundamental para que elas se gostem como uma crianças negras e cresça autônomas, pois saberão como objetos de direitos, interagindo e ocupando papéis relevantes na sociedade.”