Luizinho da Bacia: o colecionador de relíquias do funk de SP
MC e youtuber de Santos se notabilizou ao buscar os arquivos perdidos do início do funk do litoral paulista
Quem já se aventurou em buscar no YouTube memórias do início do funk na Baixada Santista, em São Paulo, certamente caiu de paraquedas no canal do MC e youtuber Luizinho da Bacia. Se na época da ascensão do funk produzido no litoral paulista a partir de 2006 não era um nome tão famoso quanto colegas como Felipe Boladão ou Duda do Marapé, Luizinho ganhou destaque a partir da segunda metade dos anos 2010 como guardião das “relíquias” do funk do litoral paulista.
Tudo começou numa tarde de 2014, quando foi visitar um amigo em Minas Gerais que pediu para ele um CD de Danilo e Fabinho, que não conseguia encontrar online. Quando percebeu que muitas das músicas pela qual ele e outros amigos tinham forte conexão emocional estavam indisponíveis, teve o estalo: e se ele aproveitasse o seu canal no YouTube, que já usava para divulgar algumas de suas faixas como MC, para dividir essas preciosidades com outros fãs do gênero? Assim nascia o Luizinho da Bacia youtuber.
“Os primeiros discos que postei foram do Danilo e Fabinho, eu tinha muita coisa, uma parte já gravado no meu computador mas outra parte eram CDs físicos que eu tinha. Quando postei, várias pessoas vieram elogiar nos comentários, e aí eu percebi que dava certo, o pessoal já estava na busca há anos”, conta.
“O canal começou a bombar e o que as pessoas iam pedindo eu ia buscando para subir, 'ah, eu queria o Voz da Favela 2', que é raro. Tinha gente que ajudava, mandava os discos em MP3 por e-mail. Eu moro em Santos e cheguei a ir até Cubatão e também ao Guarujá [cidades da região] para pegar CDs raros. Até hoje, se precisar eu vou atrás”.
Luizinho, o MC
A carreira de Luizinho como MC começou em 2006, quando ainda trabalhava como office boy no Fórum Cível de Santos, em dupla com o MC Danilo. “A primeira música que gravamos se chamava ‘Relatos’, no estúdio do DJ Marquinhos Sangue Bom, muito famoso na época - foi ele que descolou nosso primeiro show, na Boulevard Chopperia, na Praia Grande”, lembra.
Dois anos mais tarde, em 2008, trabalhava como ajudante geral em uma papelaria quando começou a carreira solo, e foi aí que incorporou seu bairro no batismo. “Já tinha outro MC Luizinho e eu precisava me diferenciar. Aí coloquei o ‘Bacia’ em homenagem à minha quebrada, como outros MCs faziam, como o Duda do Marapé. A Bacia do Macuco tá bem tranquila hoje, mas na época era complicada, tinha muita guerra de gangue, aquela história de ‘lado A’ contra ‘lado B’, morreu muita gente na época. Hoje tá bem tranquilo, mas eu moro num bairro ao lado, casei e tive um filho”.
Nascido em 1988, Luizinho conta que a paixão pelo funk é antiga, e que sempre quis trabalhar com o gênero. “Tive contato com o funk entre 1999 e 2000, meu primo escutava todo dia na casa vizinha e me deu uma fita do Renatinho e Alemão [dupla de MCs da Baixada], meus pais eram evangélicos e não gostavam, achavam que era ‘apologia ao crime’”. A lista de MCs dessa era que admira é grande, e inclui duplas como Danilo e Fabinho, Careca e Pixote, Bola e Betinho e Tottô e Kbça, além de nomes solo como MC Barriga e MC Primo: “Eles foram a minha primeira inspiração”.
A carreira no funk rendeu uma parceria com outro ídolo, Felipe Boladão, o “poeta do funk”, com quem gravou “Nem Tenta Copiar” em 2009. “Eu tinha oferecido outra música inédita para ele gravar. Eu já conhecia ele de ver show, era famoso, troquei uma ideia no estúdio onde eu gravava quando ele foi gravar ‘Tony Country’. Depois acabei encontrando ele no posto de gasolina onde ele trabalhava, porque o pai dele fazia questão que ele trabalhasse, não tinha papo de ser MC só. Depois de um tempo ele me ligou e queria gravar essa, subiu no site TopFunk.Net, foi para a capa e foi sucesso. Mais tarde ele me chamou para um show na quadra da escola de samba X-9, foi inesquecível”.
Luizinho seguia conversando com Boladão pelo aplicativo de mensagens MSN, e acabou sendo o responsável por divulgar algumas faixas inéditas do amigo depois que Boladão foi assassinado a tiros em 10 de abril de 2010, junto com o DJ Felipe Silva Gomes, enquanto esperavam uma carona para um show que fariam na capital paulista. “Falei com ele no MSN no dia em que ele foi morto, de manhã, e ele me mandou ‘Voracidade’, que eu acabei lançando. Fiquei arrasado, bateu uma depressão, não queria mais cantar”. Em 2015, conheceu a família de Boladão e ficou amigo dos pais do MC, que volta e meia aparecem em seu canal.
A vida de funkeiro da Baixada não era fácil, e violência cobrou seu preço. “Em 2012, morreram o MC Primo e o MC Careca, o funk deu uma sumida aqui porque ficou perigoso naquela época, até o Neguinho do Kaxeta levou tiro esse ano e sobreviveu ", lembra. Por outro lado, o funk tinha começado a subir a Serra do Mar e se instalava na zona leste da capital paulista, agora com uma nova temática, o funk “ostentação”. “Vieram os clipes do Kondizilla e do Tom Produções, era raro um clipe de funk profissional na internet. Só que enquanto isso, aqui na Baixada foi ficando mais fraco”.
YouTube em casal
O sucesso do canal de Luizinho rendeu elogios de diversos funkeiros, felizes em ter um lugar para encontrar suas relíquias favoritas. “Se eu precisar um dia de uma música eu te chamo, porque eu sei que tu tem”, brinca o MC Kauan em depoimento publicado no canal. A brincadeira tem um fundo de verdade. São dezenas de álbuns completos disponibilizados, boa parte deles na interseção entre o funk “consciente” e o funk “proibidão”, incluindo coletâneas da série “Tribunal do Funk”, “Turbilhão Funk” e artistas como Cláudio e Ratinho, Neguinho do Kaxeta, Juninho e Xandinho, Deco e Dog.
Em um gênero que se firmou especialmente através da distribuição feita por camelôs que também vendiam material pirata, o trabalho de arquivistas como Luizinho é fundamental para manter a história do funk da Baixada viva. Quem atesta são os próprios funkeiros das gerações anteriores da Baixada, como Keké, Bó da Catarina, Leo da Baixada, que figuram em “salves” pedindo para seus fãs seguirem o canal - até o carioca Menor do Chapa aparece para atestar a qualidade do trabalho de Luizinho. “Tô sempre escutando as playlists lá. Pra quem gosta de curtir um funk das antigas, e pra quem gosta de curtir um funk novo mas quer conhecer os das antigas, segue lá que é recomendado pelo NK”, diz o MC Neguinho do Kaxeta em depoimento.
Agora, além do canal principal, onde chegou a fazer lives com outros relíquias em 2020 e 2021, quando os MCs estavam sem espaços para cantar durante a pandemia, está investindo em um canal de casal, o Sintonia Tube, ao lado da esposa Miih Gelsleichter. Eles apostam no formato de “react”, onde ouvem músicas juntos pela primeira vez e gravam suas primeiras impressões, e já tem pequenos sucessos reagindo a hits como “Revoada do Tubarão 1 e 2”, do elenco da produtora GR6 e “O Peso da Luta”, de Perera DJ, DJ Pedro, Djay W, DJ Murillo e LTnoBeat.
“O canal surgiu quando eu saí do trabalho para viver de internet em 2021 e ter mais tempo com o meu filho. Rapidamente batemos 60 mil inscritos, quando começamos ela ainda estava grávida do nosso filho, que agora tem 7 meses. Nós sempre fomos tímidos, mas ela curtiu muito no fim das contas. Agora estamos postando menos desde que o neném nasceu, mas estamos nos organizando para voltar com tudo”, garante Luizinho
10 clássicos do funk da Baixada favoritos do Luizinho da Bacia
1️⃣ “Lagrimas” - Duda do Marapé
2️⃣ “Diretoria” - MC Primo
3️⃣ “Anjo do Mal” - Claudio e Ratinho
4️⃣ “Premonição” - MC Barriga
5️⃣ “Sempre Te Ter” - Danilo e Fabinho
6️⃣ “Parque dos Monstros” - Renatinho e Alemão
7️⃣ “Lembranças” - Tottô e Kbeça
8️⃣ “Se Mexer Com Nóis” - Careca e Pìxote
9️⃣ “Demorô” - MC Kazuya
🔟 “Liberdade” - Pato e Sam