Maioria para adoção é preta entre 8 e 16 anos no Brasil
Preconceito e desinformação fazem crianças e jovens negros permanecerem nos abrigos. São mais de 70% da fila de espera
No Brasil, há mais pretendentes à adoção do que crianças a serem adotadas. Porém, a desmistificação da adoção chamada de tardia é necessária, pois ainda há a ideia de que é complexo adotar uma criança acima de 8 anos de idade. O casal Michele e João conta que adaptação da filha adotiva foi tranquila.
No Brasil, há mais pretendentes à adoção do que crianças a serem adotadas. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem quase 5 mil crianças e adolescentes na fila, para mais de 36 mil pretendentes.
Mesmo com um número muito maior de pessoas que buscam a adoção, os entraves estão nas exigências de quem quer adotar, principalmente quanto a idade, raça e estado de saúde.
As pessoas pretendem meninas, brancas e com pouca idade. De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2019 a 2023, 80% das adoções foram de crianças de 0 a 8 anos. O percentual de crianças com até dois anos foi o mais alto.
Adoção é igual para qualquer idade
Contudo, a faixa etária da busca não condiz com a realidade vista nas unidades do Serviço de Acolhimento Institucional para Criança e Adolescente (SAICA) do país. Segundo dados do CNJ, cerca de 69% das crianças e adolescentes na fila para adoção tem idades entre 8 e 16 anos. E 71% são negros.
De acordo com Fernanda Figueiredo, gerente do Projeto Amigos da Comunidade, em São Paulo, é preciso desmistificar e incentivar a adoção chamada, erroneamente, de tardia.
“Ainda temos a ideia de que adotar uma criança acima de oito anos de idade é complexo, que só é possível ao ter casa própria, patrimônio avaliado. Não é verdade”, diz Figueiredo.
Michele e João adotaram
O psicólogo João Caffia e sua companheira, a advogada Michele Caffia, de São Paulo, ambos com 42 anos, sempre pensaram em ter, ao menos, dois filhos. Em 2015, Michele engravidou e tiveram Eduardo.
O desejo de ter mais um filho se mantinha, motivado pelos inúmeros pedidos do primogênito. “Romantizam muito a maternidade e eu não estava mais disposta a passar por todo processo da gravidez e de ter uma criança recém-nascida novamente”, conta Michele.
O casal começou a se interessar por adoção e, em 2019, entrou com a documentação. Participaram de palestras, cursos obrigatórios e optaram por criança até nove anos, sem distinção de raça, com preferência para menina.
Desromantizar a adoção e a paternidade
Em 29 de maio de 2023, o fórum informou ao casal que havia uma criança com o perfil desejado. Era Esther, de nove anos, acolhida no Projeto Amigos da Comunidade, que acompanhou e realizou o processo de aproximação e visitas.
“Levamos nosso filho para visita. Quando vi ele brincando e conhecendo a Esther, tive certeza de que era minha filha”, conta Michele.
Os pais adotivos passaram a realizar visitas de aproximação, ao menos três vezes na semana. Após um mês e meio, o casal recebeu a guarda provisória, que agora é definitiva.
Adoção exige paciência, como na gravidez
“As pessoas têm muito preconceito com adoção chamada de tardia, mas precisam entender que criança dá trabalho, não importa a idade. Nós é que somos os adultos capazes de nos adaptar e não o inverso”, resume Michele.
Para o casal, a adaptação da filha à casa, rotina e nova escola foi tranquila. “Quando ela chegou, ficava mais calada. Perguntávamos e ela acuava, mas sempre deixávamos claro que ela podia falar. Aos poucos, foi falando, e hoje é natural”, conta o pai.
Ele alerta que “o pretendente, quando entra na fila, quer que a criança chegue logo. Mas é preciso paciência, assim como na gravidez”.