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Morte de garoto infectado na enchente mantém viva a exclusão social em SP

Morador de União Vila Nova, zona leste paulistana, adolescente se feriu em sofá, entulho da enchente, e teve morte rápida

14 fev 2025 - 16h59
(atualizado às 19h39)
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Resumo
Entre os sintomas e a morte, foram três dias. Identificação de bactéria que infectou a vítima sairá em quatro meses. Além da causa pontual, há um histórico de descaso com populações periféricas e os danos fatais, nem sempre óbvios, causados pelas chuvas.
Caixão de adolescente de 13 anos enterrado em gaveta do Cemitério da Saudade, zona leste de São Paulo.
Caixão de adolescente de 13 anos enterrado em gaveta do Cemitério da Saudade, zona leste de São Paulo.
Foto: Everton da Silva Oliveira

Quando a família de Samuel Santos Avelar enterrou seu corpo de 13 anos no Cemitério da Saudade, zona leste de São Paulo, na manhã de 14 de fevereiro, todos os motivos da morte e da revolta continuaram vivos.

O primeiro motivo, anterior ao óbito causado por uma bactéria ainda não especificada pelos exames, é a enchente. A família de nove pessoas mora em uma casa de três cômodos no União Vila Nova.

É uma quebrada que sempre alaga na zona leste, assim como Jardim Pantanal, Romano, Lapenna. A primeira grande enchente deste ano começou em 1 de fevereiro.

Uma semana depois, Samuel saiu para brincar na água, lazer clássico de moleque de quebrada. Fez um vídeo mostrando o alagamento. Longe de casa, em meio à brincadeira, feriu-se em um sofá, entulho da enchente.

Equipe de televisão no Jardim Lapenna em 2 de fevereiro. Primeira enchente do ano na várzea do rio Tietê.
Equipe de televisão no Jardim Lapenna em 2 de fevereiro. Primeira enchente do ano na várzea do rio Tietê.
Foto: WhatsApp

Corrida aos hospitais e morte rápida

Na segunda-feira, 10 de fevereiro, Samuel passa mal. É levado ao hospital Ermelino Matarazzo. Recebe injeção, tem reação alérgica, toma outra injeção, é mandado para casa.

No dia seguinte, acorda vomitando. Passa o dia com fraqueza, tontura. Espera a mãe chegar do trabalho, no começo da noite. Vão à Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Samuel apaga.

A pressão está baixíssima, 8 por 5. Usam manta térmica, reanimam Samuel, que é transferido ao hospital Tide Setúbal. “Os médicos foram muito atenciosos”, relata a avó, Cirleide Higino da Silva Santos.

Uma das primeiras perguntas dos médicos: Samuel teve contato com água de enchente? A suspeita é de infecção bacteriana via ferimento da perna. Tentam cirurgia, mas Samuel falece em duas horas.

O corpo de Samuel começou a ter bolhas. Família correu a hospitais, mas morte foi rápida. “Estourou ele todo”, diz a avó.
O corpo de Samuel começou a ter bolhas. Família correu a hospitais, mas morte foi rápida. “Estourou ele todo”, diz a avó.
Foto: Arquivo familiar

Vaquinha para velório e carona para enterro

Começa um calvário para a família. O corpo do garoto é enviado ao Instituto Emílio Ribas. A suspeita de leptospirose – provocada pela urina de rato – só vai ser confirmada daqui a 120 dias.

A família não tem tempo para pensar nisso. É preciso agilizar os trâmites, mas como, com quais recursos? Rapidamente, começa a circular um pedido de ajuda em grupos de WhatsApp do bairro.

Em algum momento a família fica sabendo que, por receberem Bolsa Família, o caixão é gratuito. “Não tinha vaga para enterrar na quinta, teve que ficar pra sexta”, relata a avó.

Ainda antes do enterro, um crime: pessoas se aproveitam do momento e enviam pedidos de ajuda falsos. Alerta no grupo de WhatsApp. “Meu Deus, tem que descobrir quem está fazendo isso”, alguém escreve.

Campanha de arrecadação para ajudar a família a conseguir recursos para realizar o velório e enterro de Samuel.
Campanha de arrecadação para ajudar a família a conseguir recursos para realizar o velório e enterro de Samuel.
Foto: Reprodução

Velório e enterro de periferia

O Cemitério da Saudade é o mais popular da região. O corpo de Samuel chega antes dos familiares. Eles não têm carro e há dificuldade para pagar o transporte até o velório.

Moradores e lideranças comunitárias pedem para motoristas e cobradores liberarem a catraca do ônibus. A maioria chega de busão. Jovens lotam a sala simples do velório.

“Essa realidade poderia ser diferente. Para nós da periferia é tudo mais difícil, não temos voz”, declara a avó. Para ela e a mãe, Samuel foi “assassinado”. Por quem? Pelo Estado, pelo descaso com áreas periféricas, pelo racismo ambiental – toda a família de Samuel é preta.

No velório de Samuel, adolescentes da vizinhança compareceram em peso, alguns de chinelo.
No velório de Samuel, adolescentes da vizinhança compareceram em peso, alguns de chinelo.
Foto: Everton da Silva Oliveira

No velório, servem refrigerantes e pão com salsicha. “Não sabia se iriam comer, mas queria dar um enterro digno ao meu filho. Ele queria ser cozinheiro, ficar rico e comprar uma casa pra mim”, diz a mãe, Maria Anália da Silva Santos.

A maioria dos presentes é jovem, amigas e amigos de Samuel. Usam camisetas em homenagem, não deu para fazer muitas.

Enterro em gaveta, no final do cemitério

O cortejo sai e caminha até o fim do cemitério. Samuel é colocado em uma gaveta, que está no muro de uma área em obras do Cemitério da Saudade. Não há lugar para flores e coroas, que ficam no chão.

Enterro rápido, sol a pino, a dispersão começa. Alguns voltam de carona, a maioria de ônibus. A mãe, cuidadora de idosos, retornará ao trabalho na segunda.

Coroas de flores no chão enquanto mãe de amigo de Samuel observa enterro na gaveta, onde só cabe o caixão.
Coroas de flores no chão enquanto mãe de amigo de Samuel observa enterro na gaveta, onde só cabe o caixão.
Foto: Everton da Silva Oliveira

Para a avó, que ajudou a criar Samuel dentro de casa, o momento é de dor, “mas de revolta também. Um dia alguém vai ter coragem de denunciar as maldades das autoridades”.

Ela compartilha um texto poético escrito por moradora revoltada com a morte de Samuel. Diz que “o nome disso é descaso”, e termina com “os meninos só queriam brincar...”.

Fonte: Visão do Corre
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