Mulheres do Calafate praticam feminismo popular em Salvador
Livro narra dores e conquistas de 32 anos de atuação, com depoimentos de mulheres que superaram a violência doméstica
Uma das experiências mais potentes no campo do feminismo popular em Salvador, o Coletivo de Mulheres do Calafate (CMC) marca presença em audiências públicas sobre políticas para as mulheres, descriminalização do aborto, lançamento de cartilhas sobre direitos reprodutivos e sexuais e na tradicional marcha, organizada no 8 de março, por um conjunto de entidades do movimento de mulheres da capital baiana. São mais de três décadas de atuação.
Os objetivos do CMC podem ser resumidos em enfrentar as violências no cotidiano das mulheres e fazer pressão para adoção de políticas públicas. A sede do grupo fica na comunidade do Calafate, no bairro da Fazenda Grande do Retiro, periferia de Salvador.
A entidade foi criada em 1992 com a proposta de ser um espaço onde as mulheres pudessem compartilhar seus problemas no dia a dia, principalmente sobre a violência doméstica, assunto mais comum entre as primeiras integrantes. Com o tempo, outros temas como saúde, trabalho, direito à cidade, educação e políticas públicas foram ampliando as atividades e rodas de conversa.
Contra o patriarcado capitalista e racista
Para comemorar os 30 anos de batalhas, o grupo lançou o e-book Memórias e Afetos, que conta a história das dores e conquistas vivenciadas, traz depoimentos de mulheres que superaram a violência doméstica, as ações de arte ativismo, poemas e muitas fotos das andanças do coletivo em parcerias com universidades.
Nos debates políticos e nos estudos que promove, o grupo Coletivo de Mulheres do Calafate reflete sobre as diversas formas de violência que enfrenta e o contexto do sistema que historicamente oprime as mulheres: patriarcado capitalista e racista.
“Temos a compreensão que existe uma luta dos movimentos sociais para a conquista das políticas públicas, mas temos dificuldade de atuar nos espaços de participação, pois exige uma dedicação para conhecer a burocracia, elaborar argumentos e realizar o controle social”, admite Marta Leiro, assistente social e uma das fundadoras do CMC.
Ela produziu seu Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social e a dissertação de Mestrado na área de Saúde sobre o Coletivo de Mulheres do Calafate.
Articulação local, regional e nacional
O CMC se articula com outros grupos de mulheres e feministas através da Rede de Mulheres Negras da Bahia e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), para organizar ações coletivamente.
As integrantes do CMS vão às ruas, a reuniões nas delegacias especiais de mulheres e secretarias ligadas às questões femininas, em parceria com a Rede de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres de Salvador e na Campanha do Levante Feminista Contra o Feminicídio.
A atuação se estende também à participação na formulação de propostas de âmbito nacional, como a Casa da Mulher Brasileira, previsto na Política Nacional para as Mulheres.
Cuidados e afetos
Durante a pandemia, os encontros de autocuidado entre as ativistas do CMC incentivaram os exercícios de escrita reparadora e, em 2022, surgiu a ideia de registrar a história do grupo em um livro virtual.
As cirandas de rodas foram criadas na comunidade como um espaço de recreação, com cantigas e interação do grupo, muito praticadas nas escolas e festas populares na Bahia e no Nordeste.
A intenção é acolher as cirandas nos grupos populares de mulheres para uma maior participação na horizontalidade da troca de saberes. As Cirandas Memórias & Afetos acontecem como um espaço onde elas compartilham seus conhecimentos, tendo como inspiração a comemoração dos 30 anos do CMC, em 2022.
Ações para 2024 serão decididas coletivamente
Para girar cada ciranda, são convidadas integrantes do CMC e meninas adolescentes para oferecer um lugar de acolhimento, escuta e cuidado. As cirandas acontecem no Quintal Margarida, lugar que favorece um ambiente acolhedor de conexão com a natureza.
“Estaremos seguindo nosso caminho, acolhendo nossas limitações políticas e atuando sem nos distanciar do cuidado entre nós. Fortalecer nossa energia vital, acreditando na vida e que a vida nos vale muito, mesmo num contexto de empobrecimento e violência. Precisamos estar vivas para sonhar e lutar”, afirma Marta Leiro.
A última ciranda de 2023 aconteceu no início de dezembro, com um jantar para confraternização coletiva de encerramento. E os planos para 2024? Ainda serão traçados com debates e outras rodas, mas as mulheres do Calafate garantem manter a criatividade para continuarem articuladas e desenvolvendo ações com o grupo e com as companheiras da comunidade. Quem duvida?