Nordestino, periférico e gay: quem é o produtor de 'superproduções' virais no YouTube
Um de seus vídeos mais virais anuncia a estreia de um filme em que jovens, liderados pelo ex-presidente Lula, enfrentam bolsonaristas
Com pouco dinheiro, muita criatividade, talento nato e na companhia de amigos que fez pela internet, o youtuber Zel Junior estourou na internet com suas últimas produções. Ele mistura críticas políticas, religiosas, humor ácido e ação em superproduções dignas das telonas.
Um de seus vídeos mais virais, 'As Panteras de Lula', anuncia a estreia de um filme em que um trio de jovens, liderados pelo ex-presidente Lula (PT), luta contra bolsonaristas. Representação do embate eleitoral do segundo turno das eleições presidenciais, o vídeo foi publicado em abril e voltou a circular pela segunda vez.
Neste, assim como nos outros vídeos, Zel é um pouco de tudo: roteirista, produtor, diretor, estilista, maquiador e até o protagonista, que sempre se envolve em lutas dignas de filmes de ação hollywoodianos a partir de acontecimentos cotidianos. E, mais do que sua capacidade de se desdobrar em várias funções, surpreende também sua maestria com a edição dos vídeos. Isso porque ele não tem qualquer formação na área.
"Era muito longe da minha realidade. Ninguém aqui tem faculdade, sabe? Então não tinha como", explica o jovem nascido Zelito dos Santos Silva Junior, de Jequié, interior da Bahia.
As noções que guiam a edição e pós-produção dos vídeos foram obtidas em tutoriais no YouTube e por meio dos erros e acertos que já cometeu.
"Eu fazia mais como hobby, sem saber direito o que eu estava fazendo. Eu não sabia que estava atuando, que estava dirigindo, que estava roteirizando. Só ia fazendo", relembra.
As referências são outras
De origem humilde e sem qualquer contato com profissionais do ramo, Zel desbravou o audiovisual sem mesmo saber que aquilo era, sim, uma profissão pela qual é possível ser remunerado. Quem assiste aos seus vídeos pode até pensar que ele se inspirou em grandes nomes do cinema de ação e plano sequência, como Quentin Tarantino e James Cameron. Mas, não.
A verdade é um pouco mais inesperada.
"Comecei a me encantar pelo audiovisual a partir de clipes de diva pop. Comecei a criar vídeos de ação por causa de 'Bad Blood', da Taylor Swift", revela.
Em "Anitta versus Pablo Vittar", dois amigos entram em uma luta corporal cinematográfica após descobrirem que suas preferências musicais batiam de frente uma com a outra. Esse vídeo acumula 140 mil visualizações e foi editado nos contraturnos de seu emprego como garçom em uma padaria da capital.
O esforço, diz Zel, foi recompensado assim que o vídeo ficou pronto.
"O resultado ficou tão legal que até hoje uso o formato dele nos meus vídeos atuais", conta. "Foi ali que eu descobri o que queria fazer, valeu a pena".
Longa caminhada
Mas engana-se quem pensa que a vida de Zel mudou de uma hora para a outra após o primeiro vídeo viralizado. Nascido na Bahia, se mudou aos 9 anos de idade para São Paulo, onde mora até hoje com a mãe, o padrasto e a irmã. A família vive em Cidade Tiradentes, uma comunidade na Zona Leste da capital.
É de lá que, depois do grande estouro de seus últimos vídeos na internet, ele trabalha para os freelas que aparecem. Inicialmente, as oportunidades pontuais como editor audiovisual, não eram o suficiente para o youtuber largar a função atendente de caixa, na qual ficou até meados de 2019.
"Peguei férias do meu trabalho e juntei o dinheiro extra e tudo o que eu tinha ganhado como freela, juntei mais ou menos uns três mil reais e consegui gravar cinco vídeos para o meu canal. Não viajei, não gastei com nada", relembra.
Toda a verba foi usada com o transporte dos amigos até a locação, também paga por ele, assim como alimentação, figurino e maquiagens. Depois do investimento, pôde trocar o serviço no caixa pela edição de vídeos.
Sem qualquer interesse em aceitar oportunidades de trabalho CLT, com carteira assinada, Zel prefere a liberdade criativa que o regime freelancer permite. Assim, ele presta serviços de edição para diversos nomes da música, entre os quais a atriz e cantora Cleo.
O sonho do jovem autodidata é mesmo poder produzir seu próprio conteúdo, com patrocínio ou como influenciador digital. No entanto, reconhece que suas críticas o afastam de marcas e publicidades.
"Minha imagem é isso: uma crítica política e religiosa, e eu não me vejo saindo disso", garante. "Eu sei que, se eu tivesse acesso e oportunidades, eu estaria em um local bem distante de onde estou. A gente está em um país onde o governo é contra o incentivo à arte, mas é importante dizer de onde eu venho. No fundão da favela de São Paulo eu consegui fazer as minhas coisas", diz ele, orgulhoso.
O youtuber também acredita na importância de seu trabalho para a comunidade e para outros meninos que, como ele, não tiveram oportunidade de estudar formalmente para seguir seus sonhos.
"Meu conteúdo é feito por um cara nordestino, periférico e gay. É protagonizado por diversas pessoas da comunidade LGBQIA+. Sei quão importante é eu continuar fazendo e valorizando isso", acrescenta.
Quer saber como seria se existissem grandes filmes de ação e até suspense fossem dirigidos por divas pop? Bem, então você precisa conhecer o conteúdo de Zel.
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