Novos rostos da moda vêm da periferia de Salvador
Às vezes me pego pensando em quão distante estão as coisas ou parecem ser, por não ser uma cultura para nós, diz modelo
Thainá Monteiro e Iure Ferreira, dois jovens da periferia de Salvador, duas histórias e caminhos diferentes que se encontram no mesmo objetivo, a realização de um sonho, ser modelo. Hoje eles buscam oportunidades de crescer na carreira de modelo na maior cidade do Brasil, São Paulo.
Para os jovens da periferia, ser modelo é algo considerado distante da sua realidade, seja por falta de incentivo, representatividade, oportunidade ou até mesmo pelo preconceito criado historicamente sobre os padrões estéticos e de beleza exigidos por uma sociedade tóxica.
“Eu sempre vejo as coisas como uma realidade distante ainda aqui em São Paulo, eu percebo muito isso. Às vezes me pego pensando em quão distante estão as coisas ou parecem ser, por não ter contato anteriormente, por não ser uma cultura para nós. Tipo nas preferências de Salvador, nós não temos cultura de moda, aqui tem eventos e acontecimentos como semana de moda que é totalmente fora da minha realidade, ou era”, conta a modelo Thainá Monteiro (24).
Com muito esforço e coragem, a modelo que é moradora da Estrada das Barreiras, em Salvador, decidiu tentar novas oportunidades na carreira de modelo em São Paulo, por acreditar que a cidade lhe proporcionaria mais oportunidades, entretanto precisou trabalhar muito para conseguir partir. Em Salvador, Thainá já desfilou no Afro Fashion Day, um dos maiores eventos de moda de Salvador.
“Juntei um dinheiro com brechó que eu tinha aí em Salvador. Percebi que as coisas não estavam fluindo, aqui em São Paulo é uma cidade muito maior onde as coisas estão sempre acontecendo. Então decidi vir, comprei uma passagem de ônibus, foram dois dias de viagem de estrada até chegar aqui e venho buscando ainda mais as coisas”, revela Thainá, que esse ano desfilou na São Paulo Fashion Week e na Casa de Criadores.
Integrante do Instituto Jovens Periféricos, também de Salvador, de Mirante de Periperi, o modelo Iure Ferreira (24), está buscando de realizar seu sonho, ser modelo internacional. O jovem que foi para São Paulo em fevereiro deste ano já participou da São Paulo Fashion Week e do lançamento do motog42 da Motorola, que foi divulgado na Argentina, Austrália e Canada. Em Salvador, já participou de concursos e desfiles de bairro.
“Eu vim para São Paulo porque você tem mais chance de conseguir o que você mais quer, sempre foi um sonho estar São Paulo, poder trabalhar com o que amo. Infelizmente em Salvador não é tão valorizado como aqui, em questão da moda ou até outros trabalhos, aí eu pensava porque não tentar em São Paulo? Porque que não ir para São Paulo atrás de realizar meu sonho e poder conquistar tudo que eu quero? Foi aí que eu pensei, eu tenho que sair da zona de conforto e correr atrás, então vim para São Paulo, relata Iure Ferreira.
Além de querer realizar seu sonho de se tornar modelo internacional, assim como muitos jovens que saem da periferia, Iure quer proporcionar o melhor para sua família e ajudar aqueles que o cercam.
“Eu acho que o sonho de todos os modelos é o trabalho internacional, eu quero chegar em um ponto de poder me manter na moda, poder ajudar a minha família, ajudar minha mãe e as pessoas que eu amo”, revela o modelo.
Atualmente, é possível ver um crescimento de pessoas negras no mundo da moda, inclusive na produção dela, mas ainda falta muito para que esse espaço seja totalmente diversificado e plural.
A ascensão de modelos negros oriundos de periferia, como o também baiano Carlos Cruz, é uma importante representação para aqueles que estão chegando ou sonham em algum dia conquistar seu espaço através da moda.
O modelo de apenas 27 já participou de grandes desfiles no país, com marcas importantes, além de trabalhos internacionais e recentemente direcionou o desfile “Manifesto”, no Rio de Janeiro, um gigante quando o assunto é oportunizar a realização de sonhos de jovens negros.
“Minha carreira sempre foi pautada nessa ideia de trazer oportunidade para os jovens de periferia porque eu acredito que é importante que quem esteja na metade do caminho não esqueça a importância do primeiro passo e, eu acho que a luta quando é coletiva é muito mais importante do que a individual, você passa acreditar que os sonhos são possíveis”, ressalta Carlos Cruz;
Para Carlos, hoje é possível observar uma quantidade maior de pessoas negras nos desfiles, cenário diferente de cinco anos atrás, quando chegou a São Paulo. Ele acredita que a oportunidade é o que dá sentido na vida desses jovens negros e que vão ocupar todos os espaços e trazer esperança para os próximos.
“A nossa luta é basicamente pautada dentro disso, eu acho que eu a oportunidade é o sentido da vida, eu acho que hoje, o jovem negro de periferia ao invés de encontrar as possibilidades com o tráfico ou com qualquer outra coisa tem oportunidade com a moda, que é o que realmente traz um incentivo para as pessoas viverem, para as pessoas realmente alcançarem um sucesso através da arte”, finaliza o modelo Carlos Cruz.