"Precisamos mapear a tragédia na periferia", diz ativista
Segundo mestre de capoeira de Porto Alegre, não se sabe quantas pessoas foram abrigadas em casas de amigos e parentes
Fabiano Silveira Silva, conhecido como contramestre Cabeça, tem socorrido diversas comunidades periféricas de Porto Alegre, RS. Segundo ele, não se sabe quantas pessoas foram desalojadas e desabrigadas, nem quantas estão em casas de familiares e parentes. A falta de um mapeamento dificulta a realização do socorro às vítimas da enchente.
A principal preocupação de Fabiano Silveira Silva, o contramestre Cabeça, é com as comunidades periféricas de Porto Alegre, sobretudo pessoas fora de abrigos, que estão sendo recebidas por vizinhos e parentes. “Em lugares que tinha cem famílias, hoje tem duzentas, nas mesmas casas”, diz.
Ligado ao grupo de capoeira Muzenza, ele percebe “muita gente ajudando, mas falta organização, que é difícil, porque tudo está sendo feito de surpresa. Chegou a hora de organizar, não sei se por região, por foco de atuação, mas precisa organizar”.
Integrado a outros ativistas e coletivos, está socorrendo quem pode. Conseguiram três carretas de doações e continuam fazendo o corre de socorro, quase sem descanso.
A voz cansada respondendo perguntas do repórter depois de 23 horas mostra o empenho e a resistência do contramestre Cabeça, do Centro de Treinamento Rasteira Arte e Luta, em Santana, zona leste de Porto Alegre.
Ele tem andado e ajudado diversos bairros periféricos da capital e Região Metropolitana. Conhece a realidade da enchente. “A gente fala muito da zona norte, mas o extremo sul de Porto Alegre tem lugares bem pobres e bem desassistidos”.
Confira o que ele contou ao Visão do Corre.
Além das doações, o que precisa ser feito nas áreas pobres?
Com a galera dos coletivos, precisamos fazer um mapeamento de como está hoje a periferia, quantas famílias precisam de ajuda é a primeira questão.
De onde estão chegando as doações que vocês recebem?
De Ipatinga, Minas Gerais, de uma clínica veterinária, cuja sede fica em Porto Alegre. A campanha em Ipatinga tomou uma proporção imensa, juntaram cinco carretas. Perguntaram qual era a prioridade, respondi que era água, então veio uma carreta com muita água, além de cestas básicas e algum material de higiene. Foram quarenta toneladas.
Como vocês dividiram essa doação?
Para descarregar a carreta, fizemos uma ação rápida na sede do Rasteira, nem chegamos a colocar a doação para dentro. Dividimos para sete frentes e as doações seguiram. Mathias Velho recebeu um caminhão baú bem cheio; foi doação para o Rubem Berta, cozinha solidária, Viamão, Alvorada, Círculo Militar.
Não chegaram mais doações?
Duas carretas vieram de Curitiba, do grupo Muzenza, do qual eu faço parte.
As carretas conseguiram chegar facilmente?
A primeira carreta, de Minas Gerais, foi escoltada. Quando chegou, na frente da sede, no sábado à noite, com chuva, foi incrível. A galera da capoeira botou uma energia enorme, com a mesma alegria que nos mandaram. Teve gente cantando.
O que é mais necessário agora?
Eu vejo que, no momento, o que a gente está mais precisando é uma organização dos coletivos, um mapeamento de onde estão as famílias, quem está abrigando os que não estão nos abrigos. Temos que nos comunicar melhor para entender as demandas.
Isso inclui moradores de ruas?
Sim, eles aumentaram bastante. Não são moradores de rua, mas estão nas ruas para ficarem perto de suas casas. No centro de Porto Alegre tem muita gente.
A reconstrução será igual para todos?
Construções melhores, maiores, em bairros perto do centro, ficarão em pé. Mas em bairros periféricos, como Quilombo dos Machado, as casas estão todas destruídas. Vão ter que recomeçar do nada.
Para a periferia é muito mais sofrido.
Todo mundo desceu na escala. Mas eu vejo que a galera da quebrada é muito mais resiliente, consegue se readaptar, volta, reconstrói, para começar de novo.
Tem alguma previsão para iniciar a reconstrução?
Nós vamos passar por um período muito longo. A galera que está doando, não vai conseguir continuar doando dois, três meses. Eu vejo muita doação, mas muita coisa chega em órgãos oficiais e, daí, para chegar na mesa, na mão de quem precisa, a burocracia é bem maior.